Full text of "RR 08"
Por um polo independente da classe trabalhadora
Desafios da atual conjuntura
Março de 2016
A reeleição de Dilma em 2014 foi muito apertada,
na realidade foi a eleição presidencial mais apertada que
0 país teve desde 0 fim da última ditadura. Ao longo de
suas três gestões anteriores, em particular 0 primeiro
mandato de Dilma, 0 PT sofreu um desgaste muito grande,
especialmente entre os extratos médios da sociedade.
Ao mesmo tempo, sua base histórica - os trabalhadores
organizados do movimento sindical e popular - se
distanciaram cada vez mais do partido. A nova base que
0 manteve no poder nesses últimos anos - os setores
altamente precarizados da classe trabalhadora - começou
em 2013 a demonstrar crescente descontentamento e se
distanciou do PT nas umas. Sintoma dessa erosão da sua
base política, 0 PT perdeu umas até mesmo em alguns de
seus mais antigos bastiões na periferia paulista e no cordão
industrial de SP. O governo também não recebe mais 0
apoio de setores importantes da burguesia nacional, que
exigem um ritmo cada vez mais rápido de medidas contra
a classe trabalhadora e 0 povo para que a conta da recessão
caia sobre nós.
Diante de todo 0 tumulto político do ano passado,
Dilma e sua cúpula fizeram 0 exato oposto do que haviam
prometido às massas durante 0 segundo turno das eleições
e aplicaram quase que literalmente 0 programa de seu
adversário, Aécio Neves/PSDB, em uma clara opção
pelos interesses da burguesia em detrimento daqueles que
depositaram (equivocadamente) sua confiança nela. Essa
mostra de “boa fé” chegou até mesmo ao ponto de dar 0
comando do Ministério da Fazenda (historicamente um
posto ocupado por economistas inteiramente alinhados
ao suposto “neodesenvolvimentismo” petista) a ninguém
menos que um Chicago boy seguidor estrito da cartilha
neoliberal, Joaquim Levy.
De mãos dadas a Levy, Dilma lançou um verdadeiro
rolo compressor sobre os direitos e condições de vida dos
trabalhadores, tais como 0 PL das terceirizações (que cria
brechas na CLT), os pesados cortes na saúde e educação
públicas e a lei “antiterrorismo”. E para os inocentes ou
hipócritas que acharam que a culpa era apenas de Levy (como
se isso fosse possível), 0 novo Ministro da Fazenda, Nelson
Barbosa - que reestabelece a ligação histórica da pasta ao
ideal “neodesenvolvimentista” - já anunciou um ataque à
2
previdência para 2016, dentre outros que Dilma planeja.
O acúmulo desses fenômenos ocorre conjuntamente
aos efeitos da segunda fase econômica derivada da crise
de 2008 (o esgotamento das contas públicas, torradas para
salvar empresas falidas ou em dificuldades) e do começo
de um novo ciclo de recessão, dessa vez combinado
com inflação crescente. Isso abriu uma nova situação
política no país, na qual há espaço para a construção de
alternativas à hegemonia petista que predominou na última
década e meia. Todavia, esse espaço tem sido ocupado
até o momento, não por forças da classe trabalhadora
organizada, mas por demagogos que parasitam a máquina
estatal (como a “Bancada do Boi, da Bala e da Bíblia” na
Câmara) e por uma “nova” direita, que deu as caras ao
longo do ano passado.
Esses dois grupos de atores políticos tem conseguido
(ao menos até o momento) pautar uma alternativa
extremamenteconservadoraaopetismo.Dentreoutrascoisas,
essas forças demonizam o comunismo e os movimentos
sociais (esdruxulamente igualados ao PT) e se apresentam
enquanto representantes dos valores “tradicionais” e da
“família brasileira” - uma verdadeira onda conservadora,
como tem sido caracterizada por alguns. Essa tendência
começou a ganhar força de verdade no primeiro semestre
de 2015, na forma de um “terceiro turno” das referidas
eleições apertadas, quando setores da oposição burguesa ao
governo se unificaram na convocação de protestos de rua
e em um constante ataque público ao PT e à presidência,
simbolizado nos esdrúxulos “panelaços” da classe média
conservadora ante aparições de Dilma na televisão.
Uma “nova” direita para velhos interesses
O primeiro fenômeno a desafiar a esquerda em
2015 foi a tomada das ruas pela direita. Em março e
em abril, centenas de milhares de pessoas foram às ruas
nas principais capitais do país em protestos dominicais
com camisa verde-amarela, bandeiras do Brasil e outros
apetrechos, dançando, fazendo coreografias e tirando
“selfies” com PMs. Foi a primeira vez em muitos anos em
que a direita foi capaz de tomar as ruas em nosso país,
alcançando números significativos em várias cidades,
especialmente São Paulo.
Osmanifestantesapontavamcomoprincipaldemanda
o “fim da corrupção”, que era identificada exclusivamente
com o PT (como se Cunha, PSDB, DEM e o restante da
corja capitalista não fossem também corruptos). Muitos
chamavam também pelo impeachmentáa presidente. Em
praticamente todas as capitais, alguns setores dos protestos
chamavam por uma “intervenção militar” contra o governo
e faziam apologia aberta da ditadura militar brasileira
(1964-85). Foram recorrentes as manifestações de ódio ao
“comunismo” que supostamente o PT quer introduzir no
país, de acordo teorias da conspiração que tem circulado
na internet. Em Jundiaí, a sede do PT sofreu uma tentativa
de incêndio criminoso. No Rio de Janeiro e em outros
lugares, pessoas vestindo camisas vermelhas (mesmo sem
qualquer relação com a esquerda) foram hostilizadas.
As grandes redes de comunicação, destacando-
se a Rede Globo, cobriram amplamente esses primeiros
protestos, com flashes ao vivo durante todo o dia,
estimulando a população a participar dos atos. Uma postura
bem diferente das alcunhas de “vândalos” e “desordeiros”
que “atrapalham o trânsito” que geralmente essa emissora
usa para qualificar as manifestações dos movimentos
sociais e da esquerda. Cobertura semelhante foi dada aos
“panelaços”, através da reprodução de vídeos amadores e
da criação de mapas que mostravam sua ocorrência país
afora toda vez que Dilma fazia algum pronunciamento na
TV.
Alguns institutos de pesquisa traçaram um perfil dos
participantes dessas manifestações de março e abril. O que
podemos observar é que se trata de uma maioria branca,
de classe média alta. Em São Paulo, 41% ganhavam mais
de 10 salários-mínimos (sendo que mais 27% ganhavam
entre 5 e 10 salários). Em Porto Alegre, a proporção
foi parecida. [ 1 ] O que isso demonstra é que o público
principal desses protestos não foi da classe trabalhadora,
embora certamente houvesse muitos trabalhadores
iludidos ou reacionários entre os presentes. Mas o caráter
dominante foi de pequenos burgueses, burgueses e setores
aristocráticos da sociedade, que tem razões sociais distintas
para sua insatisfação com o governo Dilma, que nada tem
a ver com as dos trabalhadores. Não à toa, pouco se ouviu
falar nesses dias sobre os cortes nas áreas sociais, sobre
a redução de direitos trabalhistas ou sobre o desemprego.
Tais protestos se configuraram como pontos de encontro
dos setores mais reacionários da política brasileira. Os
principais organizadores foram o Movimento Vem Pra
Rua, o Movimento Brasil Livre e o grupo “Revoltados
Online”.
O Vem Pra Rua é considerado o mais “moderado”
desses grupos direitistas e o que reuniu maiores contingentes
ao redor de si durante as manifestações. Seu principal líder
é um empresário e sócio de uma grande gestora de fundos
de investimento, Rogério Chequer. Ele apoiou Aécio
Neves do PSDB nas eleições de 2014 e não escondia sua
preferência política pessoal, ao mesmo tempo em que
afirmava o caráter “apartidário” do movimento e negava
índice
Os desafios da atual conjuntura [p. oi]
A agenda de ataques do governo Dilma [p. n]
Os vaivéns centristas do MRT / FT-QI [p. 15]
Polêmica com PSTU / LIT-CI sobre a Palestina [p. 20]
Panfleto da luta dos servidores estaduais do RJ [p. 26]
Guerra civil síria, Estado Islâmico e a batalha por [p. 34 ]
Kobane
Reagrupamento Revolucionário
Site: rr4i.org
Email: reagrupamento.revolucionario@gmail.com
Caixa Postal: 50048, RJ, CEP 20050-971
3
qualquer tipo de financiamento empresarial. Apesar do
suposto apartidarismo, o Vem Pra Rua estava claramente
alinhado ao PSDB, cuja ala majoritária (representada por
Serra, Alckmin e FHC) vinha à época se posicionando
contra chamar por um impeachment. [2] [3]
Por sua vez, o grupo “Revoltados Online” é
formado por cerca de 20 colaboradores de uma página nas
redes sociais. Eles defendem ardorosamente o impeachment
e muitas vezes fizeram postagens a favor da intervenção
militar. São propagadores das teorias conspiratórias sobre
os planos “comunistas” do PT (ignorando toda a política
neoliberal levada adiante por Dilma) e elogiam Jair
Bolsonaro, o deputado pró-ditadura e inimigo dos direitos
democráticos das mulheres e LGBT. Ademais, venderam
kits “anti-Dilma”, os quais incluíam (a preços exorbitantes)
camisas, adesivos e cometas - fazendo o grupo parecer
mais uma empresa oportunista do que uma organização
política. [ 2 ]
Já o Movimento Brasil Livre (MBL) é algo
realmente “novo”, em certo sentido. Chama atenção
em primeiro lugar o fato de suas figuras públicas serem
todas pessoas de 20 e poucos anos e de muitas delas não
serem defensoras do neoliberalismo “tradicional”, mas
sim “libertárias” - isto é, contra toda e qualquer forma
de intervenção estatal na economia, mesmo que seja para
salvar empresas em falência, financiar determinados
empreendimentos ou mesmo mitigar a desigualdade social
em benefício do capital (cabe lembrar que mesmo Bolsa
Família é inspirado nas ideias de “renda mínima” do guru
neoliberal Milton Friedman e aprovado pelo FMI). A ala
“libertária” do MBL, inspirada nas ideias de Ludwig von
Mises - representante da chamada “Escola Austríaca” -
defende um utópico capitalismo sem Estado (alguns chegam
ao extremo de se reivindicarem “anarcocapitalistas”).
Agem como se o Estado fosse um ente autônomo que caiu
do céu e acabou com o capitalismo livre concorrencial, e
não um instrumento do capital desde suas origens, sendo
sua atual “interferência” na economia algo feito para e
pelos grandes monopólios surgidos da dinâmica de crises
sistêmicas do capitalismo. [2] [4]
Nesse sentido, se o neoliberalismo é o programa
do grande capital para a atual etapa da decadência
imperialista, o “libertarianismo” é a utópica resposta
dos setores inferiores do empresariado, especialmente os
“empreendedores” à constante ameaça de serem tirados de
jogo por competidores que tem amplos recursos estatais
a seu dispor. Todavia, apesar de soar “nova”, essa direita
aglutinada no MBL foi gestada por atores sociais cujos
interesses são muito velhos. Seus líderes são ligados a
grupos de elaboração estratégica da direita ( think tanks).
O
nutti
VemPraRua.net
O MBL, Revoltados Online e Vem Pra Rua, grupos que tomaram a
frente das manifestações da direita, são ligados a fundações em-
presariais, partidos da ordem e/ou pequenos empresários.
como o Instituto Liberal e Estudantes pela Liberdade,
e estes são todos financiados por centros da direita
americana, por sua vez mantidos com vultuosos recursos
de grandes empresas. Como foi demonstrado no apoio da
FIESP às manifestações de março e abril, até mesmo esses
jovens utópicos com instintos reacionários podem servir
como peões no tabuleiro do grande capital. [2] [4]
Graças às manifestações puxadas por esses grupos,
durante certo momento do ano passado a oposição burguesa
ao governo do PT teve uma chance real de conseguir colocá-
lo em xeque. Todavia, as divisões internas fizeram com
que ela perdesse tal chance, especialmente por conta da ala
majoritária do PSDB ter preferido esperar até o pleito de
2018, para enfrentar nas umas um PT enfraquecido. Nas
palavras de Aloysio Nunes, senador do PSDB, o plano
é fazer o partido da situação “sangrar” até as próximas
eleições nacionais [4]. Não obstante a falta de firmeza em
relação ao impeachment nessa época, as manifestações
- somadas à falta de popularidade do PT e seu isolamento
na Câmara - fizeram com que Dilma cedesse ainda mais
aos interesses do grande capital, em detrimento dos
trabalhadores.
Mas, ainda que o PSDB tenha preferido usar as
mas como mero instrumento de pressão para sua política
feita por dentro da “institucionalidade”, parte dos grupos
que organizaram as manifestações seguem firmes em seu
desejo de ver Dilma cair, e seguem convocando protestos
de tempos em tempos. Estes têm estado menores, agora
que perderam o apoio direto de setores do grande capital
e de seus representantes políticos, todos apostando nas
brigas palacianas, especialmente depois que o pedido de
impeachment contra Dilma foi aceito pelo legislativo.
Boicotar e denunciar as manifestações direitistas
Após o fracasso daquelas convocadas no segundo
semestre de 2015, o MLB, Vem Pra Rua etc. fizeram uma
igualmente fracassada manifestação nacional em Brasília
e estão desde então acampados no Planalto Central, com
números irrisórios, sendo que seus representantes públicos
e ideólogos tem se engalfinhado em polêmicas cada vez
mais agudas [5]. Esse quadro só começou a mudar agora
no começo de março, com a nova instabilidade criada pelo
fechamento do cerco da Operação Lava Jato sobre Dilma
e Lula, tendo a manifestação do dia 13 superado um pouco
os números daquela de 15 março de 2015. É provável que
novas manifestações continuem sendo convocadas como
forma de pressionar pelo impeachment.
Em primeiro lugar, é necessário denunciar como
direitistas e incentivar os trabalhadores a boicotar essas
manifestações. Por mais óbvio que possa parecer, é preciso
dizer que essas manifestações não são “movimentos de
massas” com demandas populares, mas marchas articuladas
pela direita, cujo objetivo último é aprofundar a onda de
ataques contra a classe trabalhadora. Apesar da aparente
obviedade disso, alguns grupos da esquerda - o MNN /
Território Livre, o MRS (Movimento Revolucionário
4
Socialista) e os maoístas organizados em tomo do jornal A
Nova Democracia, foram nas primeiras manifestações, de
maior volume, e consideraram-nas lutas legítimas contra o
governo Dilma. Agora em 2016, apenas o MRS continua
a insistir em tal tática, ao passo que os demais a tem
evitado. [6]
Essas posições absurdas, que não se importam
em estabelecer uma “frente única” com direita contra
o governo, devem ser repudiadas. Tomando as bases,
as lideranças e o programa dessas manifestações, elas
representam interesses completamente alheios e, de fato,
opostos aos da classe trabalhadora e é uma ilusão fatal
achar que é possível disputá-las. É inclusive surpreendente
que os membros dessas organizações não tenham sido
linchados, uma vez que uma simples camiseta vermelha
muitas vezes já era suficiente para despertar a fúria dos mais
fanáticos direitistas. Não à toa, esses “revolucionários”
omitiram qualquer referência ao comunismo em seus
materiais e vestimentas ao engrossarem as fileiras de tais
manifestações.
A disputa intraburguesa muda de terreno: o
impeachment
Foi também nessa situação de instabilidade que
emergiu a figura de Eduardo Cunha na Presidência na
Câmara, um demagogo membro da Bancada Evangélica,
perito em manobras estatutárias e aliado aos sanguessugas
descontentes da Câmara. Se aproveitando de seu
poder momentâneo, Cunha e seus aliados da “Bancada
BBB” encaminharam uma série de projetos que foram
devidamente chamados de “pauta conservadora”. Dentre
tais projetos, que incluíam um “Estatuto da Família”
(contra a definição de casais homoafetivos como família),
um “Estatuto do Desarmamento”, um “Dia do Orgulho
Hétero” e um em particular que gerou forte reação, o de
restringir o uso de contraceptivos abortivos por mulheres
vítimas de estupro. Este último, encaminhado já em um
momento de fragilidade de Cunha, por ter sido exposto
na Operação Lava Jato, foi respondido com numerosas
passeatas e atos públicos em capitais como Rio de Janeiro
e São Paulo, protagonizadas por mulheres que gritavam
“Fica pílula, fora Cunha!”.
Por conta de toda a polarização do primeiro semestre
e da enorme instabilidade política criada, o impeachment
acabou entrando em pauta no segundo semestre de 2015
e acabou por ter o seu encaminhamento aprovado em
dezembro. Isso ocorreu não só por conta de manobras dos
adversários de Dilma na Câmara, mas também porque
importantes setores empresariais, incluindo aí muitos
aliados do governo, cansaram de lidar com uma bolsa volátil
e com o risco de terem seus executivos citados nos autos
da Lava Jato (como ocorreu com algumas das principais
empresas e bancos do país, cujos presidentes foram parar
na cadeia) e resolveram apostar em uma solução rápida
para “por ordem na casa”.
As manifestações da oposição de direita tem reunido o que há de
mais reacionário no país, como defensores da ditadura militar, inte-
gralistas, monarquistas e neonazistas
Dilma e o PT passaram a jogar o jogo palaciano
de Cunha e inicialmente brecaram o processo de
impeachment utilizando de trocas de favores com Ministros
do STF e jogando no ventilador a corrupção do próprio
Cunha por meio de alguns aliados do governo que estavam
a “abrir o bico” nas delações premiadas da Lava Jato. A
única interação do PT com as ruas nesse contexto em que
se encontrava com a corda no pescoço foi a utilização
da CUT e do MST para formarem frentes amplas com o
objetivo de se blindar dos ataques que vinha sofrendo (e
também gestar uma alternativa eleitoral viável para 2018),
tais como as Frentes “Brasil Popular” e “Povo Sem Medo”
- que, hipocritamente, fizeram críticas mais ou menos
duras ao ajuste fiscal na forma de um “Fora Levy”, mas
que ignorava por completo a responsabilidade de Dilma
no mesmo.
A Operação Lava Jato é um fator importante a ser
considerado, especialmente porque o atual retomo do
impeachment à pauta da Câmara se deu na esteira da recente
delação do senador petista Delcídio Amaral, implicando
Dilma e Lula. Aos poucos está ficando claro quais são os
interesses político-econômicos que movem o juiz Sérgio
Moro e Cia. [7].É fato que a dinâmica de prisões com
base em denúncias, que leva os presos a realizarem novas
denúncias, e assim por diante, está jogando no ventilador
toda a podridão do meio empresarial e político brasileiro.
Porém, a mídia coiporativa está trabalhando duro para
preservar seus “protegidos” do PSDB, igualmente
envolvidos na sujeirada, enquanto usam a investigação
para reforçar seu ataque contra o governo e o PT.
Como se pode ver por essa breve síntese do que foi
2015 e o começo deste ano, os desafios que surgiram para
a esquerda não foram poucos - e muitas deles seguem em
aberto. Houve muita confusão quando a direita conseguiu
mobilizar nas ruas contingentes consideráveis até abril;
sobre a forma de como reagir ao ajuste fiscal promovido
por Dilma/Levy em um contexto no qual o PT estava sob
pesado ataque da mídia e risco real de perder o Planalto
Central; e às frentes amplas criadas pelos govemistas para
se blindar nas ruas. No presente momento, a confusão
otempo.com.br
5
segue em relação ao impeachment e, especialmente, ao
ajuste fiscal. Sem uma resposta correta a essas questões, é
impossível que a classe trabalhadora consiga se apresentar
enquanto a necessária alternativa à onda conservadora e
aos ataques do governo.
Qual deve ser a tática da classe trabalhadora?
Enquanto luta contra o avanço da “onda
conservadora” de ataques aos direitos, é imprescindível
que não haja nenhuma capitulação ao governo. Dilma
nada está fazendo para frear o crescimento dos movimentos
conservadores. Lembremos que depois das manifestações
de março, ela ofereceu “dialogar” com os organizadores e
acatou os desejos do grande capital via o “ajuste” de Levy.
Está de mãos atadas por suas alianças com políticos e
partidos conservadores para administrar o Estado burguês.
Seu recente acordo com a cúpula tucana para abrir o pré-sal
aos capitais imperialistas e a sanção da “Lei Antiterrorista”
deixa claro que ela fará ataques cada vez maiores aos
trabalhadores como forma de ganhar tempo junto a seus
adversários.
Em outras palavras, embora estejam sendo visados
pela grande imprensa e pela oposição direitista, o governo
é parte e cúmplice da “onda conservadora”, pois está
realizando todas as medidas demandadas pelo grande
capital. Por conta disso, as frentes “BrasilPopular” e
“Povo Sem Medo”, criadas em resposta ao ascenso da
direita e que supostamente estão em luta contra o “ajuste
fiscal”, não passam de uma tentativa de salvar o mesmo
nesse momento de instabilidade. Consequentemente,
cooperam indiretamente com seus ataques contra os
explorados e oprimidos do país.
O mesmo papel lamentável de blindar o governo
vem cumprindo o PCO, organização que suja o nome do
trotskismo com sua colaboração de classes governista,
conforme já denunciamos em Da histeria golpista à Copa
do Mundo. As capitulações do PCO ao governismo (julho
de 2014). Esse partido vem escondendo quaisquer críticas
ao governo e só fala da “luta contra o golpe”, participando e
elogiando entusiasticamente cada manifestação governista
pró-Dilma.
Sem fazer coro com enorme histeria criada pelos
govemistas e seus ajudantes, como se estivesse em curso
uma derrubada do governo à lá golpe de 64, cabe apontar
que partidos e tendências reacionárias de todo tipo vem
ganhando fôlego. O fascismo, por exemplo, vem de fato
crescendo no país. Um novo partido neonazista foi fundado
no Brasil no final do ano passado. Apesar do evento de seu
lançamento, unindo diversos grupos extremistas (como
os conhecidos “Carecas de SP”) ter sido cancelado em
cima da hora, por temor de uma reação organizada da
esquerda, ele já possui site e vem organizando diretórios
regionais. 18 ] O sentimento anticomunista (associado
cretinamente ao governo neoliberal do PT) cresceu muito
na sociedade no último período, principalmente devido ao
trabalho dos direitistas nas redes sociais.
O movimento dos trabalhadores e as organizações
de luta contra as opressões devem estar atentos e ter
unidade de ação para combater quaisquer agressões ou
ameaças que se coloquem em seu caminho. Seja por
parte de grupos fascistas - que ainda são uma pequena
minoria, mas que vem surfando com certo sucesso na onda
do crescente conservadorismo, seja por parte da “nova”
velha direita do MLB/Vem Pra Rua/Revoltados Online,
cujos membros já protagonizaram mais de um episódio de
violência contra membros dos movimentos sociais. Nossa
resposta a esse lixo deve ser dada nas ruas, denunciando
seu pensamento rasteiro e as suas verdadeiras intenções de
servir ao grande capital, do qual são tropas de choque, bem
como se preparando para responder concretamente à sua
violência com todo vigor sempre que necessário.
Além disso, está claro que devemos rejeitar e
denunciar esse impeachment e demais manobras da
oposição de direita. Dilma merece ser julgada por seus
crimes contra a classe trabalhadora, como os cortes de
direitos e a cumplicidade com a repressão, a continuidade
da entrega das riquezas do país ao imperialismo etc. O
mesmo vale para Lula. Mas só quem pode fazer isso é a luta
da classe trabalhadora, para barrar e reverter as medidas
do governo e confrontá-lo diretamente. O impeachment,
por outro lado, é uma manobra da oposição PSDB/DEM e
de setores do PMDB que querem assumir eles próprios o
governo. Esses senhores querem capitalizar a crise do PT e
de Dilma para seu próprio benefício. Uma queda de Dilma
por essa via não beneficia os trabalhadores e, nesse caso, não
mudaria a onda de ataques, mas ao contrário, a intensificaria.
Nós do Reagrupamento Revolucionário nos opomos
ao impeachment não por capitulação ao PT, mas sim por
reconhecermos esse processo como uma cortina de fumaça
da oposição de direita para se aproveitar da insatisfação da
população, angustiada e cansada pelos ataques que vem
sofrendo por parte da burguesia e do governo.
O elemento essencial para que a classe trabalhadora
enfrente a atual conjuntura com sucesso é a formação de
um polo independente da oposição de direita e do governo,
que unifique as várias lutas em curso (abrindo sempre
novas frentes) em tomo dos eixos .Contra os ataques do
governo e seu “ajuste fiscal”! Nenhum corte de verbas
dos serviços públicos, retirada de direitos ou demissões!
Contra a criminalização dos movimentos sociais da
Lei antiterrorismo! Que os patrões paguem pela crise!
Contra a oposição de direita e sua manobra hipócrita
de impeachment! Essa deve ser uma frente de unidade
nas lutas, baseada nessas posições fundamentais para os
trabalhadores no atual momento. Ao mesmo tempo, dever
permitir a todos os grupos e partidos da classe trabalhadora
que queiram participar uma ampla liberdade de discussão
e crítica.
Os govemistas negam a existência de uma situação
de crise econômica (mais precisamente, de recessão - que
será aprofundada com a política de ajuste fiscal de Dilma),
alegando que tudo não passa de “complô da oposição” e
“invenção da mídia”, e se usam da “onda conservadora”
6
para tentar angariar apoio popular ao governo. Por outro
lado, há setores na esquerda que negam o crescimento do
conservadorismo por encararem que admitir isso implicaria
defender Dilma politicamente. A formação de um polo
independe como o que estamos defendendo precisa se opor
firmemente a esse tipo de “posição automática”.
No primeiro semestre do ano passado chegaram a
ocorrer algumas manifestações em capitais como Rio de
Janeiro e São Paulo, chamadas por partidos de esquerda e a
CSP-Conlutas, que constituíram experiências embrionárias
independentes do governo e da oposição de direita, mas as
frentes de colaboração de classes criadas pelos govemistas
através da CUT e do MST deram cabo das mesmas, ao
conseguir recrutar importantes setores que as compuseram,
tais como boa parte das correntes do PSOL e o MTST,
como discutiremos a seguir. A luta contra a direita e o
govemismo ganhou novo fôlego com a belíssima luta
protagonizada pelas mulheres contra Cunha, no segundo
semestre de 2015, mas segue aberta a tarefa de formação
de um polo de independência de classe e combativo.
Obstáculos e desvios colocados por duas posições na
esquerda: PSOL e PSTU
Desde outubro do ano passado, o PSOL e a maior
parte de suas correntes têm participado da Frente Povo
Sem Medo, incluindo aí alguns grupos que se reivindicam
trotskistas, como Insurgência, o MES e a LSR [9]. Essa
frente diz ter como objetivo a defesa da classe trabalhadora
contra o ajuste fiscal:
“O ‘ajuste fiscal’ do governo federal diminui
investimentos sociais e ataca direitos dos
trabalhadores. Os cortes na educação pública, o
arrocho no salário dos servidores, a suspensão dos
concursos são parte dessa política. Ao mesmo tempo,
medidas presentes na Agenda Brasil, como aumento
da idade de aposentadoria e ataques aos de direitos e
à regulação ambiental também representam enormes
retrocessos. Enquanto isso, o 1% dos ricos não
foram chamados à responsabilidade. Suas riquezas
e seus patrimônios seguem sem nenhuma taxação
progressiva. O povo está pagando a conta da crise.”
Frente Povo Sem Medo será lançada nessa quinta
em SP, 5 de outubro de 2015. Disponível em: http://
tinyurl. c om/hx6tcpk.
Porém, não pode ser ignorado que essa Frente é
composta em sua maioria por organizações que fazem
parte do governo que está realizando todos esses ataques
contra a classe trabalhadora: PT, PCdoB, CUT, UNE, entre
outros, e se usam da mesma para blindar Dilma. Atacam
o “ajuste fiscal” apresentando-o como obra do capital
financeiro, mas suas críticas a Dilma são simbólicas, isso
quando aparecem. A “onda conservadora” é apresentada
como um fenômeno que não tem a ver diretamente com
o governo. Essas organizações nunca explicam porque
seguem sendo base de apoio a Dilma. A própria formação
da Frente foi uma tática sua para tentar se reinserir no
movimento, do qual estiveram ausentes, e lutar contra
os projetos da bancada conservadora no legislativo sem
encostar no governo, fazendo uma crítica “comportada” ao
mesmo, na melhor das hipóteses. Vejamos, por exemplo, a
convocatória para manifestações que estão sendo chamadas
para o dia 3 1 de março:
“Os eixos da mobilização unitária são os seguintes:
Contra a Reforma da Previdência; Não ao Ajuste
Fiscal e cortes nos gastos sociais; Em defesa do
Emprego e dos Direitos dos Trabalhadores; Fora
Cunha; Contra o Impeachment.”
Nota sobre a mobilização nacional de 31/3, 16 de
fevereiro de 2016. Disponível em http://tinyurl.
com/jpqyck6.
Esse chamado é assinado pela Frente Povo sem
Medo e pela Frente Brasil Popular e não é atípico do seu
conteúdo de nenhuma denúncia ao governo. Portanto,
o papel que cumpre essa Frente Povo sem Medo, assim
como a Frente Brasil Popular, é de ser um obstáculopam a
conformação de uma frente de luta efetiva e combativa da
classe trabalhadora contra o conservadorismo e também
os ataques do governo. Ao se atrelar à “ala esquerda” de
um dos campos burgueses em disputa, o PSOF enfraquece
a perspectiva de derrotar os ataques, que só pode ser
vitoriosa travando uma verdadeira guerra de classe contra
ambos governo e os direitistas pró-impeachment. A Frente
é contra o impeachment, mas não fala uma palavra do
governo em 90% das ocasiões. Quando o faz, é com um
tom ameno.
Um militante honesto do PSOF poderia argumentar
que a participação do partido seria uma tática para rachar a
base do governo, chamando isso de “frente única”. A frente
única conforme defendida pela Internacional Comunista em
sua época revolucionária é uma unidade de ação em tomo
de bandeiras de interesse comum para os trabalhadores, na
qual os partidos revolucionários poderiam mostrar também
a superioridade do seu programa e ganhar os trabalhadores
para o mesmo. De fato, o PT e o PCdoB ainda possuem
influência sobre uma base que esperamos um dia que
sejam ganhos para a revolução. Mas mesmo que essa
frente pudesse articular uma luta combativa contra o ajuste
fiscal, o que não vai acontecer, o PSOF deveria travar uma
batalha encarniçada contra os govemistas, denunciando
o uso que eles querem fazer da mesma. Mais uma vez,
isso não ocorre. O problema com essa suposta “tática” do
PSOF é que em suas declarações sobre a Frente Povo sem
Medo, ele deixa de lado todas as críticas aos govemistas
para manter a unidade. Vejamos, como exemplo, a sua nota
sobre o lançamento da Frente em São Paulo.
“Diversas entidades e movimentos sociais convidam
para o lançamento da Frente Povo Sem Medo, nesta
quinta-feira (...). Uma frente política que propõe
saídas à esquerda para a crise brasileira, contra
qualquer ataque aos direitos dos trabalhadores, seja
do governo federal, seja de sua oposição de direita. O
PSOF soltou uma resolução nacional nesta semana
chamando sua militância a se incoiporar a esta
7
frente, inclusive diversos de nossos parlamentares
são signatários de sua carta convocatória.”
Carta Convocatória de lançamento da Frente
Povo sem Medo , 7 de outubro de 2015
Disponível em: http://tinyurl.com/hd5fly5
Em seguida é reproduzida a carta de lançamento
da Frente, no tom que já explicamos. Mas em nenhum
momento dessa convocatória do PSOL existe uma crítica
ao PT, PCdoB, CUT, UNE etc. etc. Será que a frente propõe
mesmo “saídas à esquerda” para a crise? Esses govemistas
querem, de fato, uma transformação do país? Sustentar isso
seria demais até para o PSOL. Em outros artigos, sobre a
difusão da Frente pelos estados ou no lançamento da mesma
no Maranhão, a mesma coisa acontece. Nem mesmo uma
linha sobre os “aliados” do PSOL nessa Frente [10J. Com
isso, o que o PSOL está fazendo não é direcionar essa
Frente para lutar contra o governo e os govemistas, até
porque isso não seria aceito pelos mesmos.
O PSOL está é se adaptando à posição dessas forças.
Quando o objetivo comum é blindar um governo burguês
e os seus apoiadores de críticas sobre os crimes cometidos
contra a classe trabalhadora, o nome disso não é “frente
única”, mas oportunismo. Esse oportunismo tem raiz na
falsa crença de que Dilma e o PT são um “mal menor” que
deve ser apoiado em relação à oposição de direita, posição
defendida pela direção do PSOL e muitas de suas figuras
públicas, como Jean Wyllys e Marcelo Freixo, que também
chamaram a votar por Dilma no segundo tumo das últimas
eleições, dizendo que ela defendia “direitos humanos” e
das minorias [Hl
O governo composto pelo PT foi a ponta de lança
dos ataques contra a nossa classe. Nesse momento em que
grande parte dos trabalhadores passa a nada esperar do PT,
um partido revolucionário teria terreno fértil para erguer,
do cemitério do programa govemista de conciliação com
a burguesia, uma alternativa classista para a solução dos
problemas do proletariado. Ao invés disso, os líderes do
PSOL optam por ajudar a blindar um inimigo da classe
trabalhadora que é esse governo, ao dar cobertura pela
esquerda na Frente Povo sem Medo. Apesar da direção
do MTST (principal componente da Frente) parecer ter
O PSTU tem mobilizado seus bastiões sindicais em diminutas mar-
chas pelo “Fora Todos”. Nesses mesmos bastiões, não se viu entu-
siasmo semelhante para lutar contra demissões massivas...
enfim se dado conta do beco sem saída dessa política
conciliatória, anunciando recentemente (7 de março)
que passará a fazer firme oposição ao governo Dilma e
que mobilizará sua base em uma jornada de lutas, tudo
indica que essa Frente (da qual o MTST não se retirou)
continuará blindando Dilma. Por isso chamamos o PSOL
e todos os seus militantes a romper com a mesma, que só
pode atrapalhar a organização da classe trabalhadora para
lutar contra o ajuste fiscal.
O PSTU tem uma posição distinta. Eles também
têm criticado a presença do PSOL nessa Frente com o
govemismo e chamado, corretamente, pela composição de
um polo da classe trabalhadora em oposição ao governo e
à direita:
“Os trabalhadores e a maioria do povo não devem
apoiar Dilma, nem apoiar Cunha-Aécio, que
defendem que governe Michel Temer ou Aécio
Neves com esse Congresso. A classe trabalhadora
e a juventude precisam ir à luta em defesa das suas
reivindicações e contra todos eles. E através da
mobilização para botar todos eles para fora, em defesa
das nossas reivindicações e contra o ajuste fiscal
que todos eles defendem, que podemos construir
uma alternativa dos de baixo para governar o país.”
Fora Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Fora Aécio
e esse Congresso Nacional! Fora todos eles!, 3 de
dezembro de 2015. Disponível em http://tinyurl.
com/z5zwnb2.
Porém, estamos em desacordo com a posição do
PSTU em dois níveis. O primeiro é que a proposta do PSTU
para a investida contra os inimigos da classe trabalhadora
está em tomo do chamado por “eleições gerais”:
“De imediato, se ainda não temos uma organização
dos trabalhadores e do povo pobre apoiada nas
suas lutas para governar, que é o caminho que
pode garantir mudança de verdade, então que se
convoquem novas eleições gerais no país, para
presidência da República, senadores, deputados
federais e governadores. Que o povo possa trocar
todo mundo, se quiser. O que não dá para aceitar é que
qualquer um desses que estão aí hoje governem.”
Ident.
Acreditamos, como o PSTU sustenta, na necessidade
de um governo de trabalhadores baseado em nossas
organizações de luta e estabelecido por uma revolução para
resolver a crise econômica e as desigualdades e absurdos
m desse país. Mas enquanto uma revolução não é sentida
I pelos trabalhadores brasileiros como uma necessidade e o
3 socialismo está distante do seu horizonte de expectativas,
w existe uma ampla insatisfação com o “ajuste fiscal”, o
^ qual é defendido por todos os partidos da burguesia. Um
^ movimento de trabalhadores independente de todas as
° frações burguesas para combater esse ajuste e os cortes do
g governo é uma perspectiva viável e que prepararia nossa
classe para começar a agir como uma “classe para si”,
ou seja, na defesa combativa de seus próprios interesses.
A proposta do PSTU por eleições gerais, porém, vai
8
na contramão de ambas perspectivas. A tática de unidade
na luta contra o ajuste e os cortes de direitos avança para
uma ação independente dos trabalhadores. Já querer
eleições gerais como um objetivo para o atual período de
instabilidade só serviria para desviar as expectativas do
proletariado para o pântano lamacento da falsa democracia
dos ricos, ainda que os pivôs dos escândalos de corrupção
não participassem, como o PSTU defendeu em outras
declarações. A burguesia nunca tem dificuldades em repor
seus fantoches e homens fortes. Nesse sentido, é também
equivocada, e cumpre igualmente papel de desvio, a linha
assumida pelo MRT/Esquerda Diário, de chamar por uma
Assembleia Constituinte [ 12 ] - uma li nh a recorrente desse
grupo, à qual futuramente dedicaremos uma polêmica à
parte.
Qualquer partido revolucionário deveria saber
que as eleições burguesas são nada mais que um jogo de
cartas marcadas, e que a burguesia só financia e divulga
maciçamente aquelas campanhas dispostas a defender os
seus interesses. Além disso, os trabalhadores não podem
decidir, nas eleições, sobre as questões que realmente afetam
as suas vidas, nem a forma como seu local de trabalho será
gerido, nem quem pagará pela crise econômica, nem sobre
leis cortando seus direitos, por exemplo. As eleições não
passam de uma oportunidade que o proletariado tem para
escolher os seus carrascos.
Marxistas normalmente chamam por eleições gerais
em casos quando estas se contrapõem a uma ditadura
que reprime todas as formas de liberdades democráticas
burguesas. Nesses casos, o chamado por eleições serve
para desmascarar regimes ditatoriais e representa a abertura
de um espaço político para agitação revolucionária.
Especialmente quando a população tem expectativas de
que as coisas seriam drasticamente diferentes em uma
democracia. Mas no atual cenário brasileiro, a população
e os trabalhadores em especial sentem profundo desdém e
não acreditam no sistema eleitoral burguês.
Os revolucionários podem continuar usando,
em momentos de calmaria, os períodos eleitorais para
denunciar a farsa que as eleições representam. Mas de
forma alguma é aceitável apresentar a proposta de um
novo processo eleitoral nesse momento, quando o que a
conjuntura exige é uma luta incansável contra os ataques
do governo e da direita. Um processo eleitoral no meio das
lutas serviria somente para desviar as atenções, seria um
caminho para longe dos esforços pela construção imediata
de um polo classista. Sem contar que as eleições gerais que
se seguiriam à queda da presidente, seriam provavelmente
ganhas pela oposição de direita. De que forma isso ajudaria
a barrar os ataques da burguesia contra nossa classe? É
uma pergunta difícil de responder mesmo para o PSTU.
Outro aspecto da posição do PSTU com qual temos
desacordo ainda não é, até o momento, tão concreto. É a
sua tendência a flertar com as investidas contra o governo
Dilma mesmo se partirem da oposição de direita. A LIT,
organização internacional da qual o PSTU faz parte,
tem mantido de forma consistente a linha de enxergar
qualquer movimentação de massas contra o governo da
vez como algo progressivo, sem considerar o caráter de
classe que está à frente do movimento de oposição e quais
forças efetivamente dirigem a derrubada do governo da
vez. Fizeram isso na Líbia, ao não ter nenhum pudor de
reivindicar uma unidade de ação com a OTAN para derrubar
o ditador Kaddafí; na Síria, ao apoiar os reacionários
rebeldes do Exército Livre da Síria, de programa burguês
pró-imperialista, como uma alternativa ao tirano Assad; na
Ucrânia, ao chamar de “revolução” e apoiar o levante do
EuroMaidan, dirigido pela direita pró-União Europeia; no
Egito, ao sustentar que o golpe militar que derrubou o ex-
presidente da Irmandade Muçulmana foi uma “revolução
vitoriosa’ ’. [ 13 ] Essa é a mesma tendência que permitiu à
corrente internacional do PSTU enxergar a queda da URSS
e demais Estados operários burocratizados europeus no
começo dos anos 1990 como uma “vitória histórica dos
trabalhadores ” [ 14 ].
Tal tendência não foi, por ora, levada até esses
extremos. O PSTU tem rejeitado abertamente se somar
aos atos organizados pelos opositores de direita e não
apoia o impeachment, embora dificilmente o partido se
pronuncie contra este processo. Ao longo dos meses,
disse que “não o propõe”: “O PSTU não está propondo
impeachment da presidenta Dilma. Não queremos colocar
nas mãos deste Congresso Nacional, corrupto e controlado
pelo poder econômico, a solução da crise vivida pelo
país ” ( Quem faz o jogo da direita, 28 de julho de
2015). Ou então que um impeachment “não basta”: “Por
isso dizemos que não basta tirar a Dilma. E necessário
colocar para fora também toda essa corja do PMDB e
do PSDB, começando pelo picareta maior do Eduardo
Cunha, Temer, Aécio Neves e esse Congresso... ”. ( Nota da
Direção Nacional do PSTU, 3 de dezembro de 2015).
A ideia de que o impeachment “não basta” ou “não
resolve nossos problemas” (como também foi expressa)
está diretamente relacionada à palavra de ordem de “Fora
Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Fora Aécio e esse
Congresso Nacional! Fora todos eles!’’ defendida pelo
PSTU. Idealmente, somos a favor de um “fora todos”
no sentido de que queremos tirar do poder todos os
representantes da burguesia. Porém, defender essa demanda
na atual conjuntura, em que a única possibilidade concreta
é que o “Fora Dilma” leve a um governo do PMDB-PSDB,
não é advogar a causa do proletariado, mas ser indiferente
quanto às conclusões a que a concretização dessa demanda
poderia levar. Isso seria diferente se a ameaça pairando sobre
Dilma fosse a do movimento da classe trabalhadora, é claro.
Não é à toa, porém, que foi quando a perspectiva
do impeachment se tomou concreta que o PSTU passou a
defender tal demanda. Mais seriamente, em certa ocasião
um dos principais dirigentes do PSTU apoiou (no seu
perfil nas redes sociais) um “panelaço” da classe média
conservadora contra os pronunciamentos de Dilma,
dizendo que era “perfeitamente merecido”:
PANELAÇO NA DILMA E NO PT! MAS
PANELAÇO TAMBÉM NO AÉCIO E NO PSDB!
9
PANELAÇO NESTA CORJA TODA!
“Inacreditável a cara de pau da direção do PT no
programa que acaba de ir ao ar na TV. Mostram
um país que só existe no conto da carochinha dos
dirigentes deste partido e seu governo. E acham que
enganam alguém com isso. Perfeitamente merecido
o panelaço que se ouviu por todo lado durante o
programa. Mas panelaço não pode ser só no PT e
na Dilma, não. Tem de ser também no Aécio e no
PSDB, no Temer e Eduardo Cunha do PMDB, tem
de ser panelaço neles todos. Eles estão unidos para
atacar os direitos dos trabalhadores e para defender
o lucro dos bancos”.
Zé Maria, 6 de agosto de 2015. Disponível em
http://tinyurl.com/gv4w4j3.
Os revolucionários não se opõem ao impeachment
por considerar o PT uma organização operária ou seu
governo com sendo de esquerda. Não, sabemos que são
um partido e um governo dos patrões, que merecem a
cova, junto com os tucanos e o restante da direita. Mas
o algoz do PT não deve ser um impeachment e nem os
tribunais controlados pela direita, mas sim a classe
trabalhadora organizada. Portanto, denunciamos e nos
opomos firmemente à hipocrisia do impeachment do
PSDB-PMDB como uma tentativa de angariar os frutos
do desgaste do governo. O chamado por um ‘‘Fora Dilma!
Fora Todos! ” defendido pelo PSTU - e também pela CST
(PSOL) [15] - não prioriza a perspectiva de derrotar o
governo Dilma e suas políticas antioperárias, mas sim a
sua retirada ou saída do poder, sem que o movimento da
classe trabalhadora esteja pronto, nesse momento, para se
beneficiar disso e quando só a oposição de direita pode
fazê-lo. Reafirmamos que somente a formação de um polo
proletário independente tanto da oposição direitista quando
do governo Dilma oferece a perspectiva de derrotar esses
dois algozes.
O cerco sobre Lula e as falsas expectativas na Operação
Lava Jato
Com o vazamento da suposta delação do senador
petista Delcídio Amaral pela revista Isto É, no último dia 3
de março, a situação de Dilma se tomou ainda mais instável
e o ex-presidente Lula foi posto no olho do furacão. Lula,
a atual aposta do PT para as eleições de 2018, foi levado
a depor coercitivamente pela Polícia Federal no dia 4 de
março e teve prisão preventiva solicitada pelo Ministério
Público de São Paulo. Apesar das acusações contra ele e
Dilma não estarem confirmadas, a oposição de direita e
setores do PMDB voltaram a bradar pelo impeachment e a
convocação para a manifestação que organizam para o dia
13 de março ganhou muito mais fôlego. Ante essa situação,
de novos atos de ma convocados pela oposição de direita
e por grupos da “nova” direita, reforçamos aquilo que
dissemos em relação às manifestações do início de 2015.
O mesmo vale para nosso posicionamento em relação ao
impeachment contra Dilma.
Porém, a reposta dada ao evento por setores da
esquerda reforçam nossas críticas a esses partidos e grupos.
A direção da CSP-Conlutas, hegemonizada pelo PSTU,
emitiu uma nota em que não questiona a arbitrariedade e
as intenções de Moro e da Polícia Federal e demandou que
também Cunha, Aécio e Cia. fossem investigados:
“Assim, não podemos cair no discurso que essa
ação [a investigação sobre Lula] é um ‘golpe da
direita’, precisamos exigir que as investigações
avancem e cheguem a todos os políticos corruptos e
às empresas corruptoras. E dessa forma que vamos
virar esse jogo para o lado dos trabalhadores.”
Não basta avançar na investigação sobre Lula, é
preciso apurar também as falcatruas do PSDB,
PMDB, DEM e outros partidos de direita!, 12
de março de 2016. Disponível em http://tinyurl.
com/zu82883.
Qualquer um pode ver que essa ação faz parte da
sórdida investida da oposição de direita contra o PT, além do
que cruza a própria legalidade de investigações criminais.
Aqui, a direção da CSP-Conlutas parece confiar na Lava
Jato (que não é criticada em nenhum momento do artigo)
para investigar todos os outros partidos da burguesia.
Quaisquer que sejam os interesses “justiceiros” de Moro
e da Lava Jato, a condução das operações está prestando
auxílio às intenções dos setores da oposição de direita para
criar instabilidade. Um partido revolucionário não deveria
delegar à polícia e à justiça dos patrões a tarefa de realizar
a limpeza dos corruptos, pois é evidente que isso não
acontecerá. Como a própria nota da CSP-Conlutas afirma,
“a burguesia protege os seus”. Não há motivo, portanto,
para crer que a continuidade de investigações da Lava Jato
irá “virar esse jogo para o lado dos trabalhadores”. Como
afirmamos, esta é uma manifestação da tendência de não
diferenciar os golpes sofridos pelo governo e PT por parte
da classe trabalhadora daqueles que vêm, ou acabam sendo
instrumentalizados, pela oposição de direita.
O PSOL também está dando apoio à continuidade das
investigações. O site do partido afirmou que “Apoiamos o
aprofundamento das investigações, na expectativa de que
sejam levadas até o fim, sem qualquer diferenciação entre
os acusados, tendo prerrogativa de foro ou não. ” [16] Essa
“expectativa” é uma ilusão séria. ALava Jato já demonstrou
que não vai se colocar a serviço de uma investigação da casta
política ou do meio empresarial de forma imparcial. N ão será
“levada até o fim” pois a Justiça burguesa não pode fazê-lo.
A CST/PSOL emitiu nota de teor semelhante,
em que demanda o aprofundamento das
investigações e diz que “Lula e Dilma devem ser
investigados e punidos!’’ [17] Mas por quem? Nós
do Reagrupamento Revolucionário encaramos que Lula,
Dilma, Aécio, Cunha e cia. precisam sim ser investigados,
mas não conferimos confiança alguma à justiça burguesa.
Apenas o movimento operário organizado tem legitimidade
para realizar uma investigação séria contra essa corja, a
começar pela devassa das finanças das grandes empresas
envoltas em toda essa falcatrua. E vemos necessidade de
10
denunciar firmemente a forma como Moro e a PF vem
atuando, que revela a podridão dos aparelhos repressivos
do Estado burguês.
Mas se a posição da direção da CSP-Conlutas e
da CST/PSOL são preocupantemente equivocadas, cabe
ressaltar que a do MNN/Território Livre ultrapassa todos
os limites do bom senso. Tal grupo emitiu duas notas em
que efetivamente comemorou ditas ações e ainda pediu
pela imediata prisão de Lula e queda de Dilma, com a
demanda ‘‘Que Lula seja preso!” [ 18 ], alegando que isso
favorecerá as condições para a construção de organizações
revolucionárias. Uma ilusão delirante de que um processo
controlado pelo Estado e pela Justiça dos patrões e posto
a serviço dos direitistas pode trazer frutos políticos para o
proletariado.
Esses novos acontecimentos em nada alteram nossa
posição de oposição ao governo Dilma. Tampouco vemos
motivos para baixar o tom quanto ao papel histórico
cumprido por Lula de trair e conter os movimentos da
classe trabalhadora. Com o acirramento dos ânimos,
govemistas tem inclusive assumido posturas agressivas
que devem ser rechaçadas com o necessário vigor pelo
conjunto dos movimentos sociais e da esquerda, como a
censura e tentativa de agressão a militantes do Movimento
Mulheres em Luta (que compõe a CSP-Conlutas) no ato de
8 de março em São Paulo. Da mesma forma, os direitistas
mais fanáticos e com tendências fascistoides realizam
agressões contra sedes de sindicatos da CUT, militantes
ou mesmo pessoas aleatórias vestidas de vermelho que
passam pelas suas manifestações. É preciso unidade dos
lutadores para rebater esses reacionários violentos, com
todos os meios necessários. O govemismo e a reação de
direita devem ser derrotados nas lutas e ruas, por meio da
mobilização e unidade da classe trabalhadora.
NOTAS
[ 1 ] Institutos de pesquisa fazem levantamentos sobre o perfil dos
manifestantes em Porto Alegre, 16 de março de 2015. Disponível
em: http://tinyurl.com/m39kn27
[2] Conforme A nova roupa da direita. Pública, 23/06/2015
(disponível emhttp://tinyurl.com/plbh27b), Três grupos organizam
os atos anti-Dilma, em meio a divergências, El País Brasil,
15/03/2015 (disponível em http://tinyurl.com/jpky7rz) eQuern
financia os grupos que pedem o impeachment? , Diário do Centro
do Mundo, 15/03/2015 (disponível em http://tinyurl.com/j4kwkyl).
[ 3 ] Contrariando lideres tucanos, FHdiz que pedido de impeachment
è precipitado, O Globo, 19/04/2015. Disponível em: http://tinyurl.
com/hc4fveo.
[ 4 ] Sobre os defensores da “Escola Austríaca”, que tem dado as
caras no Brasil recentemente, ver o artigo de André Augusto, O que
está em jogo no ‘‘Mais Mises, Menos Marx ” . Disponível em: http://
tinyurl.com/jag83aj.
[ 5 ] Conforme Barraco na direita: Olavo, Reinaldo, Constantino,
Bolsonaro eKataguiri trocam acusações, Portal Fórum, 13/01/2016.
Disponível em: http://tinyurl.com/j3vl8xj.
[6] A esse respeito, ver “Tomar as massas em seu movimento ”, site
do MNN, 17/03/2015 (disponível em http://tinyurl.com/
hptdyvy), Fora Dilma, Fora Todos!, Facebook do MRS, 1 6/08/20 1 5
(disponível em http://tinyurl.com/h9uo4gh), O Brasil precisa
de uma Grande Revolução, Jornal a Nova Democracia n. 147,
março/2015 (disponível em: http://tinyurl.com/h51gjmh) c Porque
ir aos atos do dia 13 de março?, Facebook do MRS, 12/03/2016
(disponível em http://tinyurl.com/h8uv2un).
[ 7 ] Recente pesquisa do Esquerda Diário indica que se trataria de
uma forte resposta de um bilionário cartel internacional de produção
de navios-sonda à tentativa de formação de um cartel competidor
“tupiniquim”. Esquerda Diário investiga delações, Esquerda
Diário (portal do MRT), 29/01/2016. Disponível em: http://tinyurl.
com/j7tg9y4.
[ 8 ] Conforme Fascistas vão fundar a Frente Nacionalista em
Curitiba com um festival lotado de banda ruim, Vice, 11/12/2015
(disponível em http://tinyurl.com/zj792q4) e Grupo fascista cancela
congresso na região de Curitiba, Gazeta do Povo, 11/12/2015
(disponível em http://tinyurl.com/hohxs5q)
[ 9 ] O PSOL é um partido formado por tendências, de forma que
nem todas assinam a participação na Frente Povo sem Medo. Os
movimentos do PSOL que aparecem assinando o lançamento da
Frente são os seguintes: Coletivo Juntos, Juventude Socialismo
e Liberdade (JSOL), RUA - Juventude Anticapitalista, Coletivo
Construção e Bloco de Resistência Socialista. Um notável ponto
fora da curva foi a corrente morenista CST, seção brasileira da
UIT.
[ 10 ] Ver Frente Povo Sem Medo è lançada no Maranhão, com a
presença do P5'OZ,(http://tinyurl.com/hekglsp), 31 de março é dia
nacional de luta unificada contra o ajuste fiscal e a reforma da
previdência (http://tinyurl.com/zqo8djy) e Frente Povo Sem Medo
começa a se organizar nos estados (http://tinyurl.com/gon6cl7).
[UI Ver Marcelo Freixo apoia Dilma Rousseff IvrwsN.
youtube.com/watch?v=on3oysCoxj8) e Jean Wyllys: No segundo
turno, eu voto em Dz7ma(http://tinyurl.com/gtflrgh).
[ 12 ] Conforme Por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana
imposta pela força da mobilização, de dezembro de 2015
(http://tinyurl.com/jr9ncc7). Em nosso arquivo histórico há um
documento de polêmica com a seção irmã do MRT na argentina,
quando esta adotou linha semelhante na crise política que passou
aquele país em 2001 (ver Acerca do chamado por uma assembleia
constituinte na Argentina, de março de 2002, http://tinyurl.com/
zxc3oz2).
[ 13 ] Sobre as posições da LIT / PSTU ante as guerras civis líbia
e síria e o conflito na Ucrânia e no Egito, ver (respectivamente)
nossa polêmica De que Lado da Trincheira?, de novembro de
2011 (http://tinyurl.com/ztu5e67), o artigo do PSTU Quatro
anos da revolução síria, de março de 2015 (http://tinyurl.com/
jc8rtdy), a Declaração da LIT-QI sobre a situação na Ucrânia,
de maio de 2014 (http://tinyurl.com/jplyqc5) e nossa polêmica O
golpe militar no Egito e a posição escandalosa do PSTU/LIT, de
outubro de 2013 (http://tinyurl.com/z4b8718).
[ 14 ] Ver, por exemplo, O veredito da história, de julho de 2015
(http://tinyurl.com/zqy78gy).
[ 15 ] Conforme Nem govemistas, nem tucanos. Fora Todos!, de
agosto de 2015 (http://tinyurl.com/hctwcng).
[ 16 ] Conforme “Apoiamos o aprofundamento das investigações
Nota da bancada do PSOL sobre as novas prisões da Lava
Jato (http://tinyurl.com/hgpkkjo ).
[ 17 ] Conforme Lula e Dilma devem ser investigados e punidos!, de
março de 2016 (http://tinyurl.com/zfmc83v).
[ 18 ] Confira: Lula na prisão! (5/3/2016 http://www.mo vimentonn.
org/?p=802 ehttp://tinyurl.com/hwe63t8).
11
Café da manhã de Dilma com jornalistas
A agenda do governo e a resposta necessária da classe
trabalhadora
Por Rodolfo Kaleb, fevereiro de 2016 .
De vermelho, sorridente e ante uma mesa farta, Dilma anunciou aos jornais que hoje a atacam incessantemente os seus planos para fazer
os trabalhadores continuarem a pagar a crise dos patrões
Ao longo de 20 1 5 , 0 governo do PT realizou uma série
de ataques à classe trabalhadora e à juventude do país. Não
obstante a diminuição de sua base aliada no Congresso e a
instabilidade criada pela oposição de alas do PMDB e pelo
PSDB, a gestão de Dilma Rousseff encaminhou, de mãos
dadas com 0 que há de mais podre na política brasileira,
como a “Bancada da Bala, Boi e Bíblia” e 0 conjunto dos
parlamentares sanguessugas do PMDB, projetos de lei
que atacam os direitos trabalhistas, cortou pesadamente a
verba da educação e da saúde pública e ainda aperfeiçoou
os instrumentos de criminalização dos movimentos sociais
(PL do terrorismo). E tudo indica que este ano será tão
agitado quanto.
Logo no começo de 2016, em 15 de janeiro, Dilma
realizou um café da manhã com jornalistas no Palácio
do Planalto. Seu conteúdo pode ser acessado em http://
tinyurl.com/jlg9dfo ( G1 , 15/01/2016). Ela tem convocado
coletivas de imprensa como essa com a intenção de melhorar
a popularidade abalada do seu governo. Numa enorme mesa
retangular com bastante comida, os jornalistas da grande
imprensa fizeram várias perguntas à presidente. O recado
claro foi de que as políticas de austeridade e de ataques
aos trabalhadores continuarão. Vejamos em detalhes 0 que
foi discutido e para 0 que nós, trabalhadores, que estamos
comendo 0 pão que 0 diabo amassou, temos de estar
prontos.
Desemprego
Dilma afirmou que sua maior preocupação é com 0
desemprego. No cálculo do IBGE para 0 terceiro trimestre
de 2015, 0 desemprego chegou a 9%. Hoje, 0 número de
trabalhadores sem carteira assinada deve estar ainda maior.
A presidente disse:
“Todo esforço do governo... é para impedir que,
no Brasil, nós tenhamos um nível de desemprego
elevado. Para mim, é a grande preocupação, é o
que nós olhamos todos os dias. É aquilo que mais
me preocupa e aquilo que requer mais atenção do
governo
Mas a preocupação de Dilma não é com a vida dos
trabalhadores que estão sem poder pagar as contas e em
dificuldades. Se não, não teria realizado 0 corte de uma
série de direitos trabalhistas desde 0 ano passado, inclusive
dificultado 0 acesso ao seguro-desemprego e benefícios
previdenciários. Nem teria encarregado 0 novo Ministro
da Fazendo, Nelson Barbosa, de uma nova contrarreforma
da previdência, que aprofundará 0 ataque aos aposentados
iniciado em 2003 por Lula. A preocupação de Dilma é
com os banqueiros e os demais capitalistas que começam
a sentir no bolso a inadimplência dos serviços (situação
de 1 em cada 5 famílias) e com a instabilidade econômica
decorrente.
Desde meados do ano passado, milhares de operário
das obras de construção do Complexo Petroquímico do Rio
planalto.gov.br
12
de Janeiro (Comperj) tem feito grandes mobilizações em
defesa de seus empregos (constantemente ameaçados por
cortes depessoal) e salários (constantemente atrasados). Em
Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro, os operários
da CSN estão passando nesse momento por uma luta
encarniçada contra milhares dedemissões realizadas pela
empresa. A rede de supermercados Wal-Mart anunciou o
fechamento de 60 lojas, o que vai acarretar centenas de
demissões. Com os cortes nos gastos em obras públicas do
PAC (8,6 bilhões), somados aos efeitos da crise que vem se
arrastando, a perspectiva é sombria para o proletariado.
Diante do cenário de aumento do desemprego,
nós trabalhadores devemos lutar pela organização
dos desempregados junto com a luta dos demais
trabalhadores. Devemos também exigir que os sindicatos
os organizem. Mas os burocratas que dominam a maioria
dos sindicatos do país (além da maioria das centrais),
tomando-os instrumentos de divisão e contenção da classe
trabalhadora em vez de instrumentos de luta, não vão
fazer isso. Eles não estão nem aí para os trabalhadores
demitidos.
Nossa classe deve ser unida. Não devemos aceitar
nenhuma demissão por cortes. Amanhã pode ser um de
nós. Devemos exigir a diminuição das horas de trabalho,
sem diminuição de salário, para reintegrar os demitidos.
São os patrões que tanto lucraram nos últimos anos que
tem que pagar pela crise do seu sistema. Também devemos
exigir a abertura dos arquivos de contabilidade para
revelar a fortuna que os grandes capitalistas estão
fazendo em cima do suor dos trabalhadores. No caso
de fábricas falidas ou que queiram fechar as portas por
completo, como o recente caso da MABE (em Campinas
e Hortolândia) a ocupação, acompanhada do controle
operário, deve ser a tática da classe trabalhadora. São
necessárias ações de solidariedade da classe trabalhadora
em todo o país para fortalecer esses companheiros.
Terceirização
Apesar de Dilma não ter falado do Projeto de Lei
da terceirização (PL 4330/2004), esse é uma importante
medida na qual os patrões estão apostando para amenizarem
suas contas nesses tempos de recessão e garantirem
maiores lucros no próximo ciclo de ascenso econômico.
Se aprovado e sancionado, ele permitirá que muitos postos
de trabalho hoje regidos pela CLT (com pisos salariais e
direitos trabalhistas conquistados a duras penas) passem
para a lógica da terceirização, que implica menores
salários, menos direitos e constante instabilidade.
Não é a toa que Dilma não tenha mencionado esse
PL. A resposta do PT ao mesmo no ano passado foi muito
fraca e contraditória, pois ao mesmo tempo em que a
CUT realizou certa mobilização contra sua aprovação na
Câmara e que os deputados do PT votaram contra o mesmo
(ou se abstiveram), o Planalto Central - comprometido
até o pescoço com o “ajuste fiscal” então promovido por
Joaquim Levy a pedido de Dilma - se calou. Ademais,
as mobilizações puxadas pela CUT foram quase que
simbólicas, pois os burocratas a frente da central sindical
não fizeram nenhum esforço para realmente parar o país
com fortes greves.
Se for aprovado no Senado, esse PL será o mais
brutal ataque aos direitos trabalhistas desde a ditadura. É
essencial barrar o mesmo através de lutas unificadas de
todas as categorias e avançar no sentido de acabar de vez
com a terceirização, que é uma forma de precarizar a mão
de obra e dividir a classe) garantido que os trabalhadores
terceirizados sejam todos integrados às empresas para as
quais prestam serviços com plenos direitos e isonomia
salarial.
Ajuste fiscal
Dilma também deixou claro que vai continuar o
ajuste fiscal -agora a cargo dopetistaNelsonBarbosa- que
significa jogar o custo da crise nas costas dos trabalhadores
através de corte de gastos públicos e aumento de impostos.
Os impostos vão ser mais pesados sobre os trabalhadores,
já que incidem sobre consumo ao invés da renda. Os cortes,
também. Só para dar um exemplo: a conta de luz teve novo
reajuste em novembro, depois de já ter aumentado 48% em
2015. Mas os grandes consumidores, as indústrias, tiveram
desconto!
Só no ano passado, Dilma vetou o reajuste dos
servidores, suspendeu concursos públicos, cortou 7
bilhões da Educação (provocando uma longa greve
nacional nas Instituições de Ensino Superior, que acabou
deiTotada), quase 4 bilhões da Saúde, 10 bilhões do Bolsa
Família, dentre outras medidas. Mas nem pensar em
cancelar os pagamentos da “dívida pública” aos credores
internacionais, grandes banqueiros e empreiteiras. Estes
continuam lucrando e recebendo o dinheiro dos nossos
impostos pelos serviços (superfaturados) e empréstimos a
juros altíssimos feitos ao governo brasileiro. Reafirmando
seu compromisso para com os credores, Dilma
recentemente vetou a auditoria dessa dívida, que muitos
especialistas indicam ser falsificada. E olha que a Câmara
- cuja composição atual tem sido considerada a mais
conservadora desde a redemocratização - havia aprovado
tal medida.
Por sinal, esses cortes não dividem a oposição
de direita e governo, nem o PMDB e nem o Congresso:
nisso estão todos juntos contra o povo. Enquanto isso, os
salários vão se corroendo pela inflação, que está batendo
o índice de 10% ao ano. Aproxima medida de Dilma será
uma reforma da Previdência para aumentar o tempo de
trabalho e reduzir as aposentadorias. No café da manhã,
ela disse que
“A reforma da Previdência tem de ser compreendida
técnica e politicamente. Essa não é uma questão
desse ou daquele governo e sequer pode ser
13
politizada. Têm vários caminhos para o consenso.
E um deles é o do fator previdenciário móvel, que
pode ser incorporado à reforma ”.
“Não politizar” o debate é uma verdadeira piada. É
preciso formar um movimento independente do governo
e da burguesia contra os cortes de direitos e o arrocho
salarial, no qual estejam presentes os partidos, sindicatos,
associações de classe e de luta contra a opressão. Essas
organizações de luta devem ter unidade de ação, com greves
e manifestações para denunciar e combater esses ataques.
Essa é a maneira de mostrar a força da classe trabalhadora
contra o governo e deixar claro que não vamos engolir mais
ataques enquanto os grandes capitalistas seguem lucrando.
Se o governo alega rombo no orçamento, então devemos
demandar a taxação progressiva das grandes fortunas.
Leilões do Petróleo
Questionada sobre os leilões dos blocos de petróleo
que foram adiados, Dilma disse que:
“Ninguém faz leilão de bloco de exploração [com
o barril do petróleo] a US$ 30 (...) Como faço, em
2016, com o petróleo a US$ 30, uma concessão
de 30 anos? (...) Não é o momento. Talvez poços
menores. Estamos olhando isso em áreas menos
rentáveis. ”
Eis uma característica do governo petista: ainda
quer manter a aparência de que é “independente” dos
grandes capitais imperialistas e que defende os interesses
da nação. Talvez um governo ainda mais entreguista não
se importasse com um “detalhe” como a baixa histórica
do preço do barril e vendesse agora mesmo o que resta do
petróleo e gás brasileiro. Mas o governo Dilma diz que vai
se limitar aos “poços menores” e esperar um aumento
antes de abrir novamente as portas para as grandes
empresas estrangeiras. Pura retórica. Em 2013, a Agência
Nacional do Petróleo realizou grandes leilões onde deu às
empresas privadas (em sua maioria europeias, canadenses
e americanas) o direito de explorar os blocos de poços
profundos por trinta e cinco anos.
Dilma fez demagogia prometendo reverter os
royalties (o imposto anual pelo direito de exploração) para
saúde e educação. O que não falou, porém, foi que esses
impostos, assim como o preço de venda, são uma fatia
minúscula do que essas empresas vão lucrar explorando
seus trabalhadores e os recursos naturais do país.
Vejamos, como exemplo, o Campo de Libra, situado
na costa do Rio de Janeiro, que é a maior reserva de petróleo
descoberta até hoje no Brasil (8 a 12 milhões de barris). O
campo foi vendido por 1 5 bilhões de dólares a um consórcio
reunindo a Petrobras e as empresas Total (França) e Shell
(Inglaterra e Holanda), além da participação menor de
duas estatais chinesas. Ora, mesmo se considerarmos o
preço atual do petróleo, a exploração renderia cerca de
300 bilhões de dólares. Na época do leilão, a presidente
mandou o exército, que supostamente deveria “defender
os interesses do país de ameaças externas”, atacar os
manifestantes que protestavam contra esse absurdo.
O valor dos royalties varia com o preço do barril.
Por isso, a queda no preço fez cair a arrecadação e deixou
os estados produtores, como o Rio de Janeiro, em grave
situação orçamentária (já que a maior parte do orçamento
já é usada para bancar isenções de impostos a empresas
privadas). O governador Pezão (PMDB) - da base aliada
do governo e escudeiro de Dilma - é claro, não pensou
duas vezes antes de cortar da saúde e da educação. Os
servidores estaduais do RJ tem sofrido com constantes
atrasos de salários e com o não pagamento de seu 13°
salário. Os trabalhadores terceirizados de empresas que
prestam serviços para hospitais, universidades e órgãos do
estado estão em situação ainda pior.
Para resolver essa situação, nós trabalhadores
devemos exigir a reestatização da Petrobras e a
expropriação sem indenização das companhias privadas
nacionais e estrangeiras, sob controle dos trabalhadores.
Com isso, a produção pode realmente voltar seus recursos
para saúde, educação e investimento em energias limpas.
Os petroleiros têm um tremendo potencial de luta e, junto
com o restante da nossa classe, são muito mais capazes
de defender os interesses do povo do que o governo
entreguista de Dilma. Se somarem forças aos servidores
estaduais que já se encontram em luta, como no caso do
RJ, podem fortalecer imensamente a batalha para que
sejam os patrões a pagarem pela crise.
Manifestações
Dilma foi questionada pelos jornalistas sobre as
manifestações deruaque estavamacontecendonasprincipais
cidades do país contra o aumento das tarifas dos transportes,
especialmenteemSãoPaulo.Elateveacaradepaudeafirmar:
“Acho que, no nosso caso, conquistamos a
democracia, e ela tem de ser cuidada e suas regras
respeitadas (...). As manifestações, nós aprendemos
a conviver e a respeitá-las. Acho que tratar das
questões da democracia, as manifestações são uma
prática normal. ”
Dilma fingiu que não viu a repressão brutal da
polícia militar paulista contra os manifestantes nos últimos
dias. Nem as agressões criminosas da polícia contra os
vitoriosos estudantes secundaristas que lutaram para que
suas escolas não fossem fechadas no fim de 2015. E pelo
visto “esqueceu” que partiu do Executivo o projeto de lei
que tipifica atos e grupos “terroristas”, um adicional jurídico
importante para garantir a repressão aos movimentos
sociais durante as Olimpíadas de 2016, tal qual ocorrera
com a “Lei Geral da Copa” em 2014 (também iniciativa do
14
Planalto Central). [O PL “antiterrorismo” foi sancionado
por Dilma no mesmo dia em que o PT convicou um ato
“em defesa da democracia”.] Quando grupos e partidos da
oposição de direita organizaram protestos no ano passado,
a polícia posou para fotos e os tratou com gala. Mas diante
dos que lutam contra as medidas dos governos para piorar
nossa vida, a resposta é com os porretes e bombas. Diante
de tudo isso, Dilma comia uma fatia de queijo e falava que
“aprendemos a conviver”.
Devemos reivindicar o fim da polícia militar
e outras forças de repressão contra os movimentos
sociais. Precisamos defender o direito de manifestação,
um direito democrático cada vez mais cerceado pelos
governos. E também exigir a queda de todos os processos
contra os lutadores das causas populares, inclusive os
23 criminalizados por protestar durante a Copa do Mundo
de 2014. As organizações dos trabalhadores devem se
defender contra as agressões policiais, que ocorrem diante
de qualquer greve ou movimento combativo.
Impeachment
Por fim, Dilma também comentou o processo de
impeachment lançado contra ela no fim do ano passado.
Afirmou que
“Não se pode, no Brasil, achar que você tira um
presidente porque não está simpatizando com ele.
Isso não é nem um pouco democrático, achar que
você tira um presidente porque, do ponto de vista
político, você também não gosta dele. ”
E a isso que Dilma resumiu o impeachment: não gostar
dela e do seu governo. Não está muito longe da verdade, já
que, como visto, existe um amplo acordo entre os partidos
da burguesia sobre as medidas de ajuste a serem tomadas.
Nessas questões centrais, o governo do PT-PMDB pouco
diverge da oposição de direita. Mas esta oposição de
direita, junto a uma ala do PMDB, gostaria de ter controle
direto sobre o Executivo.
O motivo imediato para o início do processo foi
o rompimento do presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha, com o governo. Cunha, um fundamentalista
evangélico homofóbico e machista, contra quem pesam
acusações fortíssimas de aceitação de propina e que possui
uma conta não-declarada com milhões de dólares na Suíça,
vinha sendo blindado pelo governo. Como deputados do
PT votaram pelo encaminhamento das investigações contra
ele, Cunha contra-atacou. Além dessa disputa sórdida,
podemos esperar que um governo do PMDB vai ter ainda
menos pudores que o PT em acelerar o ajuste fiscal. O PT,
afinal, ainda mantém uma relação com burocratas sindicais
que precisam enganar suas bases.
Nós, trabalhadores, devemos nos posicionar contra
esse impeachment. Não por querer a continuidade do
governo de Dilma. Estamos também contra os movimentos
que blindam Dilma e pedem a continuidade de seu governo,
pois escondem todos os ataques realizados contra nós e as
alianças espúrias que ela ainda mantém com o PMDB. Mas
o impeachment é uma maquinação de partes do PMDB e
da oposição PSDB/DEM para se aproveitar do desgaste
político do governo. Se chegarem ao poder, vão continuar
as medidas de ajuste e repressão de forma igual, ou pior.
Nada temos a ganhar com esse impeachment. Por isso,
devemos denunciar aqueles que o defendem.
Os capitalistas e seus governos (como é o governo
Dilma) fazem de tudo para salvar seu sistema decadente,
nos oprimindo e explorando cada vez mais. Querem nos
arrancar tudo. Mesmo as minúsculas reformas realizadas
pelo PT nesses 12 anos de governo encontraram um ódio
raivoso das classes dominantes. Mas este governo cumpriu
sempre as determinações da burguesia e nunca lhe faltou
quando foi necessário. As reivindicações que apresentamos
ao longo desse texto apontam para a necessidade de os
trabalhadores tomarem para si o poder econômico e político.
Para melhorar significativamente nossas condições de
vida, para mudar os rumos destrutivos do capitalismo
em uma direção racional, precisamos de um governo dos
trabalhadores da cidade e do campo, baseado em nossas
organizações de luta. Como comunistas revolucionários,
defendemos que esta é a única maneira de acabar com a
exploração e a opressão que nos atingem.
EM NOSSO SITE
Confira online alguns outros materiais do Reagrupamento Revolucionário
A Frente Comunista dos Trabalhadores: um ótimo exemplo de como NÃO se
deve construir um partido, de setembro de 2015: http://tinyurl.com/hrnslvq
Materiais sobre a greve das universidades públicas (2015):
http : / / tinyurl.com/ q9j v8yx
http : / / tinyurl.com/h5vxqp5
15
Os vaivéns centristas da Fração Trotskista
Da FIT argentina ao #MRTnoPSOL
Rodolfo Kaleb, novembro de 2015
Há cerca de dois anos, publicamos uma longa
polêmica com a Fração Trotskista [ 1 ], organização
internacional do PTS argentino e cuja seção no Brasil é o
MRT (antiga LER-QI) [ 2 ], Essa polêmica tratava da
construção do partido revolucionário e do que, para nós,
consiste na estratégia centrista da Fração Trotskista
nesse terreno: apostar na aproximação e no amálgama
com correntes oportunistas da “família do trotskismo”.
Essa postura se revela nas suas publicações, ao longo dos
anos, de recorrentes chamados de unidade endereçados
a vários grupos revisionistas. Nessas publicações da FT,
geralmente são ignoradas ou minimizadas as muitas vezes
em que esses grupos renegaram a independência de classe
e os princípios do marxismo.
Conforme discutimos a fundo em tal polêmica, a
FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) da Argentina
tem sido 0 principal cenário para aplicação dessa política
pelo PTS nos últimos anos. A FIT é uma coalizão eleitoral
entre o PTS e duas outras organizações que reivindicam 0
trotskismo - 0 Partido Obrero (PO) e a Esquerda Socialista
(IS - seção argentina da corrente morenista UIT).
Reco nh ecemos que a FIT não é um bloco de
colaboração de classes, se diferenciando, portanto de uma
“frente popular” com partidos burgueses. Dessa forma,
em casos específicos, 0 apoio eleitoral crítico à FIT seria
válido. Por outro lado, ela também não é, diferentemente
do que a FT afirma em certas ocasiões (e nega em outras),
um mero bloco eleitoral com 0 propósito limitado de
viabilizar candidaturas proletárias nas eleições burguesas.
Porém, como demonstramos naquela polêmica, 0 PTS
pretende da FIT um trampolim para a unidade política com
as outras correntes, especialmente 0 Partido Obrero de
Jorge Altamira. O PTS frequentemente pressiona os outros
grupos para manter essa unidade para além das eleições, na
forma de uma frente permanente. De forma emblemática,
reiteradas vezes 0 PTS e 0 MRT afirmaram encarar a FIT
como uma “frente revolucionária”, como um embrião de
um partido revolucionário.
Desde que escrevemos nossa crítica, tivemos muitas
conversas com militantes da Fração Trotskista no Brasil
(então organizados na LER-QI) sobre esse assunto. Uma
resposta que comumente recebemos foi de que a intenção
do PTS não era se aproximar dos grupos revisionistas, mas
que a FIT era uma “frente única”, uma simples colaboração
prática, com 0 objetivo de superar a legislação eleitoral
restritiva da Argentina, e concorrer às eleições com uma
chapa classista. Significativamente, essa posição já foi
divulgada pela seção alemã da Fração Trotskista, conforme
apontamos em nossa polêmica anterior [ 3 ]. Certamente
que não haveria nada de errado com isso, não fossem
as afirmações claras do próprio PTS de que a FIT não
é isso. Recentemente, a FIT tem passado por uma dura
divisão em relação à formação da chapa para as eleições
presidenciais. Nesse contexto, aqui está uma resposta da
liderança do PTS à afirmação de Altamira (PO), feita no
fim do ano passado, de que a FIT era uma “frente única”:
“A FIT é um bloco de agitação de três partidos que se
reivindicam trotskistas que defendem um programa de
reivindicações transitórias, a independência da classe e
propõem um governo dos trabalhadores. Isso não é uma
frente única’, e sim um reagrupamento de formações
de esquerda que se reivindicam revolucionárias que
ainda não são partidos grandes e seu objetivo é agitar
um programa revolucionário em comum nos processos
eleitorais. O programa da FIT, mais que 0 de ‘frente
única’, abre 0 caminho para 0 debate da necessidade
de um partido revolucionário, proposta que temos feito
esquerdadiario.com.br
16
em várias oportunidades e à qual os nossos aliados
lamentavelmente tem se negado sistematicamente.”
(nossa ênfase)
O Partido Obrero no Luna Park e o discurso de Jorge
Altamira, 9 de novembro de 2014. Disponível em:
http://tinyurl.com/ofbu7tt
Essa declaração da liderança do PTS deixa explícito
aquilo que dizíamos, e que alguns militantes da FT
sempre negaram: que a atuação do PTS na FIT é buscar
a unidade, uma aproximação política, com correntes
reconhecidamente oportunistas.
Outra resposta (verbal) que recebemos à nossa
polêmica foi o reconhecimento de que, sim, a Fração
Trotskista faz convites para discussões de unidade a
essas correntes oportunistas (o que fica evidente lendo
a citação acima). Mas que isso nada mais seria que uma
“tática” para incidir sobre a base desses grupos. Ou seja, o
objetivo seria mostrar que o PTS não se recusa ao debate,
que não é um grupo sectário. Isso implicaria que a FT não
pretende, de fato, unidade com os grupos que corteja, mas
que afirma isso somente como uma forma de disputar seus
militantes.
Temos sérios problemas com essa “explicação”.
Antes de tudo, porque ela é dissimulada. A “tática” da
FT seria desonesta com a base das correntes oportunistas
ao proclamar uma coisa (o desejo de aproximação ou
discussão de unidade) tendo outro interesse por trás. Além
do mais, se realmente fosse essa a intenção da Fração
Trotskista, essa seria uma “tática” muito ruim para o
propósito de convencer esses militantes. A FT faz muitas
críticas acertadas às posições oportunistas do PO e dos
morenistas da Esquerda Socialista. Porém, joga fora a
sua consistência quando, volta e meia, considera que eles
“defendem um programa de reivindicações transitórias,
a independência da classe e propõem um governo dos
trabalhadores” (como afirma que fazem na FIT).
Para ganhar a base de um grupo oportunista,
é necessário demonstrar cabalmente os problemas
incorrigíveis da sua direção. Afinal, todo militante
dedicado permaneceria em sua organização (mesmo que
nela visse problemas e erros) se considerasse que eles são
solucionáveis. Deve-se explicar calmamente à base dessas
correntes como a política de seus dirigentes conduz ou
conduziria o proletariado a derrotas, e não fazer concessões
ou chamados de unidade. Como disse Trotsky, “Se um livro
de física contiver, ainda que fosse só duas linhas sobre Deus
como a causa primeira, estaria no meu direito concluir
que o autor é um obscurantista ” [4]. De nada adiantam as
críticas muitas vezes corretas que a Fração Trotskista faz
a esses grupos oportunistas se ela afirma (em bem mais de
duas linhas) que os três partidos da FIT (Partido Obrero e
Esquerda Socialista, além do próprio PTS) defendem um
“programa revolucionário em comum” e então demanda
unidade política com os mesmos.
Quantas vezes esses grupos não cruzaram a
independência de classe? Vem à mente as várias vezes em
que o PO apoiou candidaturas burguesas nas eleições [5].
Ou quando a IS defendeu a vitória de uma “revolução”
em unidade com a OTAN na Líbia em 2011 [6]. Em
2012, o PO levantou no contexto da Grécia a proposta
de um “governo da esquerda” para assumir o Estado
burguês [7]. E que dizer então dos morenistas, que viram
uma “revolução vitoriosa” no Egito enquanto os militares
subiam ao poder em 2013 [8]? A FT conhece muito bem
todos esses exemplos, pois os criticou. Portanto, a sua
afirmação de que esses partidos defendem a “independência
de classe” e “propõem um governo dos trabalhadores”, é
uma capitulação centrista. Centrista porque, não obstante
criticar tais grupos em diferentes ocasiões, são quase que
periódicos os chamados à construção de organizações
“revolucionárias” junto com eles, seja no âmbito argentino,
via PTS, seja internacional. Veja-se esse exemplo de
chamado do PTS, de 2009:
“Na Argentina, o PTS está chamando as correntes
trotskistas que não adotaram a política de dissolver-se
ou de aliar-se com setores da centro-esquerda (como
o Partido Obrero e aquelas que, como a Esquerda
Socialista e o MAS, nas últimas eleições nacionais
formaram junto com o PTS o FITS) a abrir a
discussão para avançar na construção de um partido
comum marxista revolucionário, com centralismo
democrático, que supõe a liberdade de tendências,
e numa intervenção comum na luta de classes, que
permita mediante a experiência e a discussão, superar
a dispersão atual das forças que nos reivindicamos do
marxismo revolucionário.”
Que partido para qual estratégia?, 23 de fevereiro de
2009. Disponível em: http://tinyurl.com/nef63aa
Ou, ainda mais significativa, a campanha
iniciada pela Fração Trotskista cerca dois anos atrás,
em prol de um “Movimento por uma Internacional da
Revolução Socialista” (a qual ela acabou abandonando
silenciosamente após certo estardalhaço de alguns meses).
Essa campanha partia de um manifesto onde se chamava
ao “reagrupamento” uma série de grupos oportunistas sem
qualquer consistência, baseando-se em posições bastante
isoladas acerca de uma série de fenômenos importantes
da luta de classes que então ocorriam mundo afora, em
especial aqueles relacionados à “Primavera Árabe” e à luta
de classes na Grécia:
“Chamamos especialmente os companheiros do Novo
Partido Anticapitalista (NPA) da França, tanto os que
integram conosco a ‘Plataforma Z’ como aqueles que
se agrupam na ‘Plataforma Y’ (...) e os companheiros
do ex-Secretariado Unificado (SU) de outros países que
enfrentam a orientação majoritária de generalizar este
tipo de blocos com reformistas (...); os companheiros
do Partido Obrero da Argentina e a Coordenação pela
Refundação da Quarta Internacional (CRCI), com
quem integramos na Argentina a Frente de Esquerda dos
Trabalhadores (FIT) e temos coincidido em diversos
fatos da luta de classes nacional e internacional; os
grupos da esquerda trotskista grega que combatem a
adaptação ao Syriza; e a todas aquelas organizações
17
da esquerda revolucionária ou da vanguarda operária
e juvenil que busquem o caminho à revolução.”
Manifesto por um Movimento por uma
Internacional da Revolução Socialista , agosto de
2013. Disponível em: http://tinyurl.com/qetl3tn
Em todos esses casos, a Fração Trotskista dizia
querer construir um partido conjunto com as organizações
revisionistas do trotskismo. Para nós, diferente das duas
supostas explicações que mencionamos acima para esses
chamados de aproximação e de unidade, há uma terceira
que realmente faz sentido.
Alguns dirigentes da FT parecem compreender
essas propostas como um tipo de “manobra”. Porém,
essa manobra não pode ter a intenção de disputar a base
das correntes oportunistas, pois o efeito só poderia ser
enfraquecer suas críticas diante desse público, conforme
explicamos. Essa manobra se destina aos próprios
dirigentes dos grupos oportunistas, com o objetivo de atrair
essas correntes a uma aproximação. Daí o seu formato
mais comum ser uma carta ou carta aberta, com a intenção
de pressionar os dirigentes a debater o assunto. Por sua
vez, muitos militantes da Fração Trotskista ou ignoram
a existência desses chamados ou são convencidos pela
desculpa de que se trata de “táticas” para disputar a base
dos centristas.
Os líderes da FT estão errados em achar que
podem manobrar ou influenciar os dirigentes de grupos
oportunistas a uma fusão onde seu programa tenha alguma
chance de prevalecer. Via de regra, esses dirigentes são
muito pouco ingênuos e bastante experientes nesse tipo
de jogada. Além disso, fazer essa aposta implica também
acreditar na capacidade desses dirigentes de efetivamente
assumir o programa do marxismo revolucionário, ainda
que sob algum tipo de indução ou pressão, o que é uma
ilusão. Como apontamos em nossa polêmica de dois anos
atrás, essa era precisamente a expectativa dos velhos
pablistas com relação aos stalinistas e reformistas, com
a diferença de que a FT quer fazer isso com grupos da
“família trotskista”.
Hoje o PO argentino, ontem o PSTU brasileiro
Se hoje em dia o PTS faz elogios e propostas de
unidade ao PO/IS, enaltecendo a FIT enquanto um bloco
com um “programa revolucionário em comum”, quase
dez anos atrás a FT preferia fazer isso com os morenistas
do PSTU brasileiro. Daí a “carta aberta aos militantes do
PSTU e da FIT”, que eles publicaram em 2006:
“Nossa corrente, assim como a FIT, vem
corretamente criticando o giro à direita da maioria
das correntes do trotskismo internacional, fenômeno
que vocês chamam de ‘vendaval oportunista’. (...)
Recentemente, o PO dá passos no mesmo caminho
e chama a votar na Frente Popular de Evo Morales
na Bolívia, e depois, em Romano Prodi na Itália.
Consideramos que, assim como nós, os companheiros
do PSTU e da FIT tiveram o mérito de não cometer
nenhuma dessas capitulações citadas e são esses
acordos políticos que nos levam a propor abrir uma
discussão nacional e internacional.”
Carta aberta aos militantes do PSTU e da LIT, 5
de maio de 2006. Disponível em: http://tinyurl.
com/opzzca6
Isso só mostra que não se trata de um fenômeno novo
ou isolado. Em 20 14, os companheiros daFT aparentemente
haviam “se esquecido” dessas posições oportunistas do PO
e afirmaram que ele defendia a independência de classe
e um governo de trabalhadores. Em 2006, por sua vez, a
antiga FER-QI “se esquecia” de toda a história oportunista
do morenismo, seu apoio também recorrente a frentes
populares com a burguesia, incluindo o PT brasileiro,
que o PSTU havia apoiado eleitoralmente apenas quatro
anos antes [9]- A então FER-QI via “acordos políticos
que nos levam a propor abrir uma discussão nacional e
internacional” com os morenistas.
Certamente as intenções da FT foram frustradas com
o giro à direita no próprio PSTU, que nos últimos anos
apoiou uma série de quedas de governo hegemonizadas
por partidos burgueses ou pelo próprio imperialismo
como supostas “revoluções democráticas vitoriosas”
(Fíbia, Ucrânia, duas vezes no Egito). Mas podemos
seriamente esperar que esses chamados de unidade não
voltarão a se repetir diante de um realinhamento político?
Os revolucionários precisam ser a “memória política” da
vanguarda proletária para orientá-las diante das armadilhas
reformistas e oportunistas. Mas nesse caso, a FT não
lembrava (ou melhor, fingia não lembrar - o que é ainda
pior) do que eles próprios escreveram.
Há algo de novo na criação do MRT?
A recente transformação da FER-QI em MRT
indicou uma intenção em realizar um giro de massas,
dando um salto qualitativo em sua situação organizativa,
a qual ainda era em grande parte a de um grupo de
propaganda. Isso implicou também a transformação do
site da organização num portal de notícias mais amplo,
o Esquerda Diário. [10]
Em seu congresso (julho passado), o MRT deu uma
nova forma a esse giro através de sua decisão de pedir o
ingresso no PSOF. Depois dos últimos resultados eleitorais
do PSOF, o MRT considerou-o como “um partido que pode
expressar crescentemente parte importante das tendências
de massas que se desenvolverão à esquerda da crise do
PT” [11], Ao pedir sua entrada à direção do partido, o MRT
fez algumas críticas ao rumo que ela tem tomado, apontando
como tem sido incapaz de tirar vantagem do enorme desgaste
do PT com a classe trabalhadora e outros setores populares,
e expressando em seguida o desejo de tomar-se uma
tendência interna com liberdade programática. A direção
do PSOF recusou a entrada do MRT até esse momento,
apontando que ela só poderia dar-se por aprovação do
congresso partidário em 2016, o que o MRT denunciou
como antidemocrático. Isso fez com que lançasse uma
18
campanha pelas redes sociais com o slogan #MRTnoPSOL.
Não há nenhuma questão de princípios que impeça
a entrada (temporária) de organizações que se reivindicam
revolucionárias em partidos reformistas mais amplos,
como uma tendência de esquerda. Os trotskistas europeus
e americanos, por exemplo, realizaram nos anos 1930
um movimento (que ficou conhecido como “entrismo”)
de adesão organizativa aos partidos socialdemocratas de
massas, que recentemente haviam ganho muitos setores
jovens e radicalizados da classe trabalhadora. Somos
contra a crítica ultraesquerdista que considera qualquer
tática dessa natureza como uma “traição” imediata.
Porém, é inegável que há entradas oportunistas,
assim como revolucionárias. O objetivo dos trotskistas
com táticas de entrada é polarizar um setor ao redor do
programa revolucionário para posteriormente construir
um partido marxista independente. Nisso, como sempre, é
preciso plena independência programática do oportunismo.
Um exemplo pela negativa é a atuação de muitas correntes
da ala de esquerda do próprio PSOL (algumas das quais
se reivindicam trotskistas). Apesar de criticarem os passos
mais abusivos da direção desse partido em questões
de falta de democracia interna e posturas oportunistas
de colaboração de classe (dentre as quais está, mais
recentemente, de querer fazer uma “frente de esquerda”
com o PT/PCdoB e outros partidos burgueses [12] [ver
o ADENDO ao final deste artigo para os fatos mais
recentes]), acabam se adaptando a uma convivência com
tal direção.
As principais correntes que compõem o “bloco
de esquerda” do PSOL chamaram a votar na candidata
do partido, Luciana Genro, mesmo sabendo que ela
havia recebido financiamento de campanha de empresas.
Também fazem elogios e uma verdadeira tietagem com
figuras parlamentares como Marcelo Freixo, cujas posições
políticas passam longe de qualquer ideal socialista. Veja-se
o “apoio crítico” que Freixo deu ao projeto das UPP e a
propaganda eleitoral que fez para Dilma no segundo turno
das eleições em 2014.
O que surpreende na decisão do MRT de entrar no
PSOL é porque se dá num momento em que nenhum setor
combativo da juventude ou da classe trabalhadora brasileira
caminha em direção a esse partido. Os movimentos de
“entrismo” originais foram motivados por uma grande leva
de militantes radicais (assim como de jovens e interessantes
grupos centristas) que adentravam a socialdemocracia.
Nenhum movimento desse tipo existe no PSOL brasileiro
nesse momento.
O crescimento eleitoral (pouco expressivo) do PSOL
foi o principal argumento usado pelo MRT para sua decisão.
Mas esse resultado não implicou, nem necessariamente o
fará, nenhuma perspectiva de crescimento qualitativo do
seu corpo militante (em número e em radicalidade política),
que é o que interessa para construção do partido. As
correntes que se reivindicam “trotskistas” no PSOL estão
adaptadas à direção do partido, conforme ficou patente
com o seu respeito à disciplina partidária mesmo depois
que o último congresso foi ganho com base em delegados
eleitos ffaudulentamente pela corrente majoritária de
Randolfe Rodrigues.
Impressiona também a mudança de tom do MRT
comrelação ao PSOL. Em dezembro de 2013, a então LER-
QI afirmava com bastante certeza que, embora pudesse
crescer eleitoralmente, o PSOL só poderia aprofundar
o seu eleitoralismo, que era “incapaz de romper com a
tradição petista”:
“O PSTU faliu como alternativa revolucionária,
e o PSOL.... nunca se colocou essa perspectiva.
Quando dizemos que faliram, não quer dizer que
não podem até vir a crescer (coisa que não se
deu qualitativamente pós junho), por exemplo,
capitalizando eleitoralmente (nas eleições
burguesas, mas também nos sindicatos) a mudança
da consciência das massas pós junho. Mas isso
se dará aprofundando os problemas que aqui
apontamos, pois não poderão resistir às pressões de
adaptação, como se expressou cm junho, pois fazem
parte de uma tradição arraigada. (...) E seguirá
sendo assim, pois são incapazes de romper com a
tradição petista, o que só poderia se dar fazendo
uma ruptura com sua própria tradição, marcada pelo
sindicalismo e eleitoralismo.”
O PSOL e o PSTU não passaram a prova de junho,
11 de dezembro de 2013. Disponível em:http://
tinyurI.com/obadk2y
Agora, parece que é fundamental que o PSOL
“concentre forças” a favor da classe trabalhadora, o
que é apresentado com uma aposta válida, na qual os
revolucionários deveriam colocar esforços:
“Para que a luta dos trabalhadores seja consequente,
é necessário que o PSOL, com seus militantes e
parlamentares, concentre forças a favor das lutas e da
organização da classe trabalhadora e da juventude,
abrindo portas para as organizações revolucionárias
que queiram fazer parte dessa perspectiva.”
Manifesto do MRT em campanha pelo
#MRTnoPSOL, 6 de agosto de 2015. Disponível
em: http://tinyurl.com/og75csl
E claro que não há como saber de antemão como
será (caso seja concretizada) a atuação da tendência do
MRT no PSOL. Mas com base na sua estratégia centrista
de buscar unidade com correntes oportunistas, imaginamos
que não se daria no sentido de polarizar um setor do
partido contra a direção (e de forma independente do
atual “bloco de esquerda”). Ao contrário, podemos prever
chamados de unidade a certas correntes revisionistas da
“família trotskista” da esquerda do partido, semelhantes
aos que a Fração Trotskista já faz regularmente do
lado de fora. Inclusive, uma das correntes do “bloco
de esquerda” do PSOL é a morenista CST (Corrente
Socialista dos Trabalhadores), organização irmã da IS
argentina à qual o PTS já endereça os seus chamados.
Apesar do seu novo nome, o MRT brasileiro é
herdeiro dessa política, já que nunca fez uma crítica à
19
mesma, demonstrando claro alinhamento com a linha
centrista da direção internacional da FT. Assim como todos
os centristas que oscilam entre uma política pretensamente
revolucionária e posições abertamente oportunistas,
também a FT realiza vaivéns na sua posição em relação
aos grupos revisionistas do trotskismo. Ora crítica
acertada, ora capitulação e desejo de unidade. Mas não se
pode reconstruir a Quarta Internacional com “manobras”
desse tipo. Somente uma crítica certeira e consistente ao
oportunismo pode avançar para a reconstrução do partido
mundial da revolução socialista.
ADENDO
Desde que a versão preliminar deste artigo ficou
pronta, o PSOL formou a “Frente Brasil sem Medo”, em
conjunto com o MTST e setores govemistas do PT e do
PCdoB, organizados na CUT, na CTB, na UNE, e em outros
agrupamentos menores. O objetivo dessa frente seria o de
enfrentar as medidas de austeridade do governo e a ameaça
de impeachment que a direita está lançando contra ele, mas
blindando Dilma e o PT, ao focar as críticas somente em
Levy (como se fossem coisas diferentes!). Em resposta a
esse giro à direita por parte do PSOL, o MRT deixou de
lado a postura mais “branda” que vinha adotando e lançou
duras críticas ao partido [ 13 ] . Ademais, parece ter removido
de sua agitação cotidiana a campanha #MRTnoPsol, que
vinha priorizando em sua atuação pública. Não podemos
prever de antemão se o MRT irá manter o pedido de
entrada no PSOL ou se presenciaremos um novo zigezague
na orientação política dessa organização, mas está clara a
confusão que gera a sua orientação estratégica que aqui
criticamos.
NOTAS
[ 1 ] Fração Trotskistaesuarupturaincompletacomomorenismo (maio
de 2013). Disponível em: http://tinyurl.com/nkbz9bl
[ 2 ] Nós do Reagrupamento Revolucionário possuímos com
as companheiras e companheiros do MRT outras diferenças
estratégicas que nos separam. Desde 2013, algumas de nossas
diferenças políticas se aprofundaram ou se mantiveram, sobretudo
com relação à política nos processos de guerra civil e intervenção
imperialista no Oriente Médio e Norte da África (caso da Líbia e da
Síria), onde observamos um abandono do princípio de defesa das
nações oprimidas e uma aproximação com o oportunismo morenista
de apoiar setores desse processo independentemente de seu
conteúdo de classe. Veja Os rebeldes na Líbia e na Síria e a posição
revolucionária (janeiro de 2014), disponível em http://tinyurl.com/
oubqhar . E também em questões nacionais, como quando a então
LER-QI chamou “voto crítico” no PSTU “onde este partido não
estivesse coligado com o PSOL” (nacionalmente). Isso sendo que o
PSTU estava coligado com o PSOL nos principais estados do país,
inclusive em São Paulo e, no Rio Grande do Sul, onde era parte de
uma campanha que recebeu dinheiro de financiamento capitalista.
Veja Os comunistas e as eleições de 2074(setembro de 2014),
disponível em: http://tinyurl.com/oh34asr .
[3] ‘ ‘Outra característica importante para a formação da FIT é a
questão de frentes eleitorais como uma frente única temporária
baseada em acordos parciais em uma situação concreta, em oposição
a projetos de longo prazo, baseados em acordos mais profundos
em termos de programa, estratégia e prática. A FIT não é de forma
alguma um projeto que foi designado em termos de um alinhamento
de longo prazo do PTS com o PO, mas sobre a necessidade
concreta de uma frente única dos trabalhadores contra a repressão
burguesa...”. (A campanha eleitoral da FIT na Argentina, 27 de
julho de 201 1, disponível em inglês em: http://tinyurl.com/no6ebjg)
[ 4 ] De um arranhão ao perigo de gangrena (janeiro
de 1940). Disponível em: http://tinyurl.com/pwue93x
[ 5 ] Conforme nossa crítica em PCO, Partido
Obrem e as frentes populares (fevereiro de
2013). Disponível em: http://tinyurl.com/n9r9zbg
[ 6 ] La revolución árabe y el final de Kadafi. Disponível
em: http://tinyurl.com/p8twb53 Para nossa crítica à posição
semelhante tomada pelo PSTU brasileiro, ver PSTU, Fração
Trotskista e a defesa da Líbia contra o imperialismo (novembro
de 2011), disponível em:http://tinyurl.com/od7f3e5
[ 7 ] La pulseada entre el FMI y Syriza. Disponível em: http://
tinyurl.com/ngbjezc Para a crítica publicada pelo PTS
argentino, ver Los revolucionários y la cuestión dei “gobierno
de izquierda ”, disponível em: http://tinyurl.com/oao8toq
[ 8 ] Egipto: la movilización revolucionaria derribó a
Mursi! Disponível em: http://tinyurl.com/pac6u7n Para nossa
crítica à posição semelhante tomada pelo PSTU brasileiro,
ver O golpe militar no Egito e a posição escandalosa do PSTU/
LIT (outubro de 2013), disponível em: http://tinyurl.com/o6vjpnh
[ 9 ] PSTU chama voto em Lula (outubro de 2002). Disponível
em: http://tinyurl.com/heqq6pr. Para uma crítica nossa à
prática do morenismo e do PSTU em apoiar frentes populares,
ver PSTU ' justifica ” seu bloco com PSOL e PCdoB (agosto
de 2012), disponível em: http://tinyurl.com/qbau88k.
[ 10 ] O MRT está claramente experimentando neste giro. Pouco antes
da mudança de nome, havia dado um tom muito mais superficial aos
materiais publicados em seu jornal Palavra Operária - um clássico
erro em tentar atingir as massas reduzindo o programa, contra o
qual Trotsky advertira seus camaradas franceses em 1935 (em
um texto que recomendamos fortemente aos membros do MRT e
do qual citamos abaixo um trecho). Depois, extinguiram o jornal
impresso para lançar o portal de notícias online Esquerda Diário,
tendo apenas recentemente voltado com uma versão impressa
do Palavra Operária, dessa vez com um tom mais parecido com
o original, com matérias se diferenciando de grupos adversários e
fazendo polêmicas.
“Mas, muito frequentemente, a impaciência revolucionária (que
facilmente se transforma em impaciência oportunista) leva à
seguinte conclusão: as massas não vem até nós porque nossas ideias
são complicadas demais e nossas palavras de ordem avançadas
demais - ou seja, deve-se jogar fora alguns entulhos. Basicamente,
isso significa: nossas palavras de ordem devem corresponder
não à situação objetiva, não à relação de classes analisada pelo
método marxista, mas a obseryações subjetivas (e extremamente
superficiais e inadequadas) sobre o que as “massas” podem e não
podem aceitar Mas quais massas? A massa não é homogênea.
Ela se desenvolve. Ela sente a pressão dos eventos. Ela aceitará
amanhã o que não aceita hoje. Nossos quadros vão desbravar o
caminho com crescente sucesso para nossas ideias e palavras de
ordem, as quais vão se mostrar corretas porque são confirmadas
pela marcha dos eventos e não por observações subjetivas e
pessoais. ” (Leon Trotsky, O que é um jornal de massas? Novembro
de 1935, disponível em http://tinyurl.com/pqou98n)
[ 11 ] Congresso do MRT aprova proposta de entrada no PSOL,
20 de julho de 2015, disponível em: http://tinyurl.com/q5466nb.
[ 12 ] Negociação avança e frente de esquerda
é batizada de “Grupo Brasil”, 27 de junho de
2015, disponível em: http://tinyurl.com/heednfd.
[ 13 ] Uma Frente pra deixar Dilma e o PT sem medo, de 13 de
outubro de 2015, disponível em: http://tinyurl.com/h9k813v. >.
20
Polêmica com a LIT / PSTU sobre a Palestina
Internacionalismo proletário ou adaptação ao
nacionalismo burguês?
Rodolfo Kaleb e Mareio Torres, janeiro de 2015
Recentemente nós do Reagrupamento
Revolucionário publicamos uma declaração sobre a
questão palestina e 0 massacre peipetrado pelo regime
sionista de Israel contra a população de Gaza. [1] Nessa
declaração, além de apontarmos nossa oposição em relação
aos ataques israelenses e a defesa da Palestina de forma
mais geral, também tecemos algumas breves críticas a
algumas posições presentes na esquerda que se reivindica
revolucionária. Esta frequentemente defende uma política
desorientadora e oportunista sobre tarefas concretas para
levar à emancipação do povo palestino e a um governo
dos trabalhadores. Dessa forma, queremos aprofundar
algumas dessas críticas, mais especificamente as que se
aplicam ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
(PSTU) e à organização internacional por ele dirigida, a
Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT).
Capitulação ao programa e aos partidos nacionalistas
burgueses
Comumente, 0 PSTU/LIT resume seu programa
para a luta de classes na Palestina através do slogan “Ror
uma Palestina livre, laica e democrática ” (acrescentando,
às vezes, também “não racista”). Não é acaso que essa
síntese de sua posição não coloque em questão 0 caráter
de classe da Palestina que almejam. Analisando de perto 0
conteúdo desse slogan, vemos que ele se limita ao programa
original da OLP (Organização pela Libertação da Palestina),
como 0 próprio PSTU já afirmou explicitamente:
“Estamos juntos com as massas palestinas,
libanesas e árabes na defesa da destruição do Estado
de Israel. Contudo, diferentemente das correntes
fundamentalistas islâmicas, fazemos esta defesa
dentro da mesma perspectiva que existia na
raiz da OLP: a criação de uma Palestina laica,
democrática e não racista .”
Pela destruição do “Estado policial ” de Israel, de
agosto de 2006 . Ênfase nossa, http://www.pstu.org.
br/intemacional materia.asp?id=5404&ida=0
Criada em 1964, a OLP começou como uma
coalização de forças políticas variadas adotando táticas de
guerrilha, reivindicando 0 fim do sionismo, 0 direito de
retomo dos palestinos expulsos de suas terras e 0 retomo
à “Palestina histórica”, isto é, às fronteiras existentes antes
de 1948. Como acontece com toda organização de massas
sem uma delimitação classista, a OLP passou rapidamente
a atender fundamentalmente aos interesses dos setores
mais favorecidos economicamente da população palestina.
Logo nos primeiros anos, 0 partido Latah (Movimento
pela Libertação Nacional da Palestina) dirigido por Yasser
Arafat tomou-se a liderança da organização, 0 que lhe
conferiu um caráter político nacionalista, sem nenhuma
pretensão de confrontar 0 capitalismo. Com 0 tempo,
esse programa levou à sua conclusão lógica: disposição a
“negociar” os direitos dos palestinos em troca de alguma
estabilidade econômica e política para os palestinos
worldjewishdaily.com
21
mais prósperos. Na década de 1980, sob a orientação
do Fatah, a OLP aceitou negociar com Israel um “mini
Estado” palestino, que compreendesse a Faixa de Gaza
e a Cisjordânia, abandonando abertamente as pretensões
de derrotar o controle do Estado sionista sobre o território
palestino e reconhecendo a legitimidade deste.
Qual força política é capaz de construir uma Palestina
“laica, democrática e não racista”? Para os marxistas, só
há duas classes na sociedade moderna que são capazes
de realmente estabelecer seu poder: ou a burguesia ou os
trabalhadores. A camada bastante frágil dos empresários
palestinos já demonstrou sua completa bancarrota política
ao aceitar uma “coexistência” sob o tacão dos sionistas.
Cabe ao proletariado da região, em aliança com as massas
camponesas pobres e os oprimidos pelo capitalismo
sionista, lutar contra esse regime. Mas ao se organizar como
vanguarda da luta contra o sionismo, o proletariado não irá
se limitar ao programa democrático da pequena-burguesia.
Ele vai necessariamente iniciar a construção do seu próprio
governo, estabelecido sob as bases de expropriação da
propriedade burguesa, administração democrática das
empresas e armamento dos trabalhadores.
Ao reivindicar o programa original da OLP,
abandonado pelo próprio Fatah em razão dos interesses de
classe burgueses e pequeno-burgueses que ele representa,
os dirigentes do PSTU “esquecem” o “detalhe” de que
uma Palestina realmente “livre, soberana, democrática e
não racista” só é possível sob um regime de democracia
proletária, e que isso jamais esteve no programa da OLP
e nem estará, pois vai contra seu compromisso de manter
o capitalismo. O resultado é que o PSTU se coloca em
defesa de um programa pequeno-burguês. Muitos dos
seus materiais de propaganda sequer colocam a tarefa de
construção de um poder dos trabalhadores [2], ou colocam
essa tarefa de forma deslocada da luta (considerada
prioritária) por uma Palestina “democrática”. Sob essa
configuração, a Palestina “democrática” defendida pelo
PSTU seria um regime burguês para substituir Israel. É
nos próprios partidos da burguesia e da pequena-burguesia
que o PSTU busca um instrumento para realizar essa
tarefa. Por muitos anos, chamou para que a OLP liderasse
o povo palestino e lhe conferiu apoio político praticamente
acrítico. Mas como nos últimos anos a capitulação da OLP
ao sionismo ficou explícita demais, foi necessário ao
PSTU buscar outra força política da qual esperar o objetivo
utópico da “Palestina livre” sem menção ao caráter de
classe. Em 2007, em um artigo publicado em seu site, o
PSTU defendeu a seguinte “alternativa”:
“Nesse momento é muito importante realizar
um chamado a todos os que desejam resistir a
Israel e seus parceiros. O Hamas precisa estar à
frente desse chamado a todas as organizações da
resistência palestina, da esquerda e das próprias
bases do Fatah, a romper com seu corrupto
presidente e repudiar seu golpe. A paz só virá com
a luta intransigente e até o fim contra o Estado de
Israel e a construção de uma Palestina soberana,
laica, democrática e não racista, com retomo de
todos os refugiados.”
Hamas toma controle da Faixa de Gaza, julho de
2007. Disponível em: http://www.pstu.org.br/
jornal materia.asp?id=7020&ida=2
O Flamas (Movimento de Resistência Islâmica)
surgiu em 1987 como uma dissidência da Irmandade
Muçulmana, sendo um partido que defende a construção
de um Estado teocrático islâmico na Palestina. Em 2007,
no ano do artigo escrito pelo PSTU, ele chegou ao governo
da Faixa de Gaza e hoje controla a maioria dos assentos
no parlamento organizado pela Autoridade Nacional
Palestina. O Hamas ganhou bastante prestígio com as
massas palestinas em razão da capitulação gritante da OLP
ao regime sionista e, devido à situação extrema da Faixa
de Gaza, ele frequentemente toma medidas de resistência
armada contra Israel. Contudo, seus interesses nada tem a
ver com os do proletariado. Não só ele também sustenta o
capitalismo, como também é abertamente antidemocrático,
sendo contra os direitos seculares das mulheres da Palestina
e igualando todos os trabalhadores israelenses com os
assassinos governantes de Israel.
Ao chamar para que o Hamas “esteja à frente” de
toda a resistência palestina, o PSTU conferiu a esse partido
nacionalista islâmico o “direito” de liderar inclusive os
trabalhadores palestinos. Indiretamente, está abdicando da
lutaporumpartidorevolucionárioparaganharoproletariado
da influência nociva do nacionalismo islâmico, dizendo
inclusive que é o Hamas que deve chamar a romper a base
do Fatah. Além do mais, como é possível que os dirigentes
do PSTU acreditem que o Hamas seja capaz de levar a
cabo uma luta por um programa que ele jamais teve, ou
mesmo que seja possível que seus membros lutem por uma
Palestina “laica” (sendo defensores da teocracia islâmica),
“livre e soberana” (sendo que estão à frente de um governo
capitalista num mundo dominado pelo capital imperialista);
ou mesmo “democrática” (quando são fanáticos religiosos
profundamente misóginos e homofóbicos)? O resultado de
uma hegemonia do Hamas na resistência palestina contra
Israel seria aprisionar as massas palestinas ao nacionalismo
islâmico, alienar (ainda mais) os trabalhadores israelenses
de qualquer oposição ao regime sionista e garantir que, de
uma forma ou de outra, os interesses sujos da burguesia
seriam assegurados. Nenhum marxista digno do nome
pode sustentar tal posição.
A escandalosa caracterização do proletariado
israelense
Se a palavra de ordem do PSTU por uma “Palestina
livre, laica e democrática” é uma clara limitação a um
programa democrático burguês, fruto de sua capitulação ao
nacionalismo árabe procapitalista, há ainda outro aspecto
22
da sua política que também é um enorme obstáculo para
qualquer perspectiva de revolução proletária. Segundo a
caracterização feita pela LIT em 2011:
“Assim como o Estado sionista não é um Estado
normal, mas sim um enclave militar, tampouco o é
a classe operária que lá vive. Ao ser Israel um Estado
artificial, baseado no roubo e superexploração dos
palestinos, a classe operária judia em Israel é também
parte da ocupação, ou seja, recebe privilégios da
ocupação. Em outras palavras, tem um nível de vida
melhor do que o dos trabalhadores árabes exatamente
porque recebe migalhas derivadas da exploração
destes, e pelo dinheiro que Israel recebe dos
EUA. “Nenhuma classe operária no mundo, como já
dizia Marx, luta para piorar seu nível de vida ou para
perder seus privilégios. Por isso a classe operária
israelense não é(e nem será) revolucionária, sequer
reformista. É intrinsecamente reacionária. Seu
bem-estar depende da continuidade e da ampliação
da ocupação do território palestino, de seu caráter
de Estado policiesco. Não se pode esperar dos
trabalhadores judeus uma mudança [de] caráter do
Estado sionista, para que este deixe de ser racista
e expansionista. Israel não pode ser reformado, só
pode ser destruído.”
Sobre o movimento dos “ indignados ” de Israel,
Partido Operário Internacionalista (POI- Rússia),
setembro de 2011. Ênfase nossa. Disponível
em: http://www.pstu.org.br/teoria matéria.
asp?id= 1 3 3 97&ida=0
Comecemos pela caracterização de Israel como
um “enclave militar”. O regime sionista certamente é
financiado pesadamente pelo imperialismo, mas a base da
sua existência é também a exploração dos trabalhadores
israelenses e das massas palestinas, de forma que não
se trata de uma mera instalação imperialista no Oriente
Médio. E Israel não é o único Estado que recebe insumos
financeiros e militares por ser um aliado fiel das potências
imperialistas. O mesmo se dá com vários países árabes,
como é o caso da Arábia Saudita, que as grandes potências
usam como fantoches locais para contrabalancear os
governos burgueses “instáveis”, como o Irã.
Além disso, conforme afirmamos em nossa já
mencionada declaração, “A população israelense não pode
ser considerada simplesmente como colonos nesse momento
da história. Quer queira quer não , se desenvolveu na
região uma nacionalidade de fala hebraica .” ( Defender os
palestinos! Nenhuma confiança no Hamas e no Fatahl, de
agosto de 2014). Ao apagar a existência dessa nação (e sua
divisão em classes fundamentalmente antagônicas) a LIT
reduz a contradição fundamental da sociedade israelense,
não à luta entre burgueses e proletários, mas a uma luta de
ambos os burgueses e proletários israelenses contra o povo
palestino (também aqui tomado em bloco, como se não
houvesse contradições de classe).
Os marxistas não se opõem ao direito dos judeus de
habitar na Palestina, nem aos direitos daqueles que para lá
emigraram. A oposição dos marxistas é ao projeto sionista,
que defende um Estado exclusivamente israelense, com
um regime teocrático e que oprima as massas palestinas,
segregando-as sistematicamente através de métodos
jurídicos e militares. Corretamente, a Quarta Internacional
foi contra a fundação do Estado de Israel em 1948, ao
mesmo tempo em que buscava ganhar os trabalhadores
israelenses contra o sionismo [3].E de um simplismo
absurdo tentar reduzir toda a sociedade israelense de hoje
em dia a um “enclave militar”. Isso secundariza a divisão
dessa sociedade em classes fundamentalmente antagônicas,
colocando em um mesmo patamar os exploradores e os
explorados.
Em segundo lugar, embora tenha melhores condições
de vida do que a maior parte dos seus irmãos nos países
vizinhos do Oriente Médio, o proletariado israelense não
é mais privilegiado do que aquele dos países imperialistas
(na verdade, possui condições de vida bastante inferiores).
Tanto sua vida não é perfeita e harmônica, que nos
últimos anos temos visto massivos protestos em defesa
de mais recursos públicos para serviços e políticas sociais
como saúde e educação - algo muito mais próximo de
uma consciência reformista do que de uma consciência
“intrinsecamente reacionária’ ’ [4]. A LIT se opõe a esses
protestos e, ao menos nisso, tem a mesma atitude dos dos
burocratas sionistas que desejam ver tais lutas minguarem
e fracassarem.
O fato de que a classe trabalhadora em alguns países
é privilegiada em comparação com a de outros não muda
o fato de que é da classe proletária que depende uma
revolução vitoriosa (e especialmente a classe trabalhadora
dos países imperialistas, sem os quais o socialismo não
pode triunfar a nível mundial). Essa desigualdade é um
elemento estrutural no qual os capitalistas se fiam para
dividir a classe trabalhadora em linhas nacionais, mas
o trabalhador israelense tem muito mais vantagens em
romper com a “sua” burguesia e buscar um poder em
conjunto com as massas palestinas do que manter sua atual
condição de classe dominada, explorada e oprimida.
Ao contrário dos sionistas, os marxistas argumentam
que o sionismo NÃO serve aos interesses objetivos da classe
trabalhadora israelita. O Estado de Israel, como Trotsky
havia previsto, pode acabar sendo uma “armadilha fatal”
para os judeus que emigraram para lá. Os trabalhadores
judeus não se beneficiam de viver sob o capitalismo
sionista, e o seu atual apoio à “sua” classe dominante,
assim como o apoio que a classe trabalhadora de muitos
países presta aos “seus” governos, é uma falsa consciência
que os revolucionários devem buscar desmascarar.
Ao fim e ao cabo, é de uma total falta de coerência que
supostos marxistas acreditem seriamente que trabalhadores
tem a perder (“piorar seu nível de vida” ou “perder seus
privilégios”) ao derrotar seus patrões e assumir o controle
da riqueza por eles produzida. Certamente, do que os
trabalhadores israelenses jamais poderão ser convencidos
23
é apoiar partidos nacionalistas islâmicos como o Hamas
(e que o PSTU considerou em 2007 que deveria estar à
frente dos palestinos) que são contra seu direito a existir
enquanto povo. Mas eles têm todas as razões objetivas
para lutar lado a lado das massas palestinas pela destruição
do regime sionista e por uma Palestina socialista dos
trabalhadores de todas as religiões e etnias (que é
uma tarefa que o PSTU relega a um futuro incerto). O
que impede os trabalhadores israelenses de lutar por esse
objetivo é sua cegueira diante da ideologia sionista e a
ausência de um partido revolucionário que defenda a união
intemacionalista dos trabalhadores dos dois povos contra
seus verdadeiros inimigos.
Essa escandalosa caracterização realizada pela
LIT, faz com que ela subestime completamente o
proletariado israelense como um poderoso aliado em
potencial das massas palestinas na luta por sua libertação.
Tal postura de considerar que a classe trabalhadora de
Israel é “intrinsecamente reacionária” também significa
o abandono de qualquer perspectiva realista de revolução
socialista na região, uma vez que os trabalhadores
israelenses constituem atualmente o maior componente da
classe trabalhadora.
Esse abstencionismo diante do proletariado
israelense é o lado reverso da sua capitulação aos
partidos nacionalistas árabes. E tal capitulação é tão
profunda que chega ao extremo de defender e legitimar
ataques reacionários indiscriminados contra a população
israelense,
“As organizações da esquerda mundial devem
responder claramente às seguintes perguntas:
estamos a favor de que a atual guerra se desenvolva
até derrotar completamente o exército sionista
e o Estado de Israel? Estamos a favor de que as
ações contra a população do enclave colonial
israelense - por parte do Hizbollah, do Hamas e
do Jihad Islâmica - aumentem e sejam cada vez
mais efetivas? (...) Aqueles que responderem
negativamente a estas questões deixaram de ser
revolucionários para, nas palavras de Lênin,
transformarem-se em ‘meros pacifistas pequeno-
burgueses’. De nossa parte, reiteramos a resposta
afirmativa a cada uma destas questões
Pela destruição do “Estado policial ” de Israel, de
agosto de 2006 . Ênfase nossa.
Duas coisas estão amalgamadas nesse parágrafo.
Primeiro, o PSTU parece se referir à defesa da Palestina e
de outras nações oprimidas por Israel (como era o caso do
Líbano, que estava sendo atacado em 2006), que é uma tarefa
de todos os comunistas consequentes. É evidente que, por
desejarem a derrota do Estado sionista por uma revolução,
os trabalhadores se beneficiam do enfraquecimento de
Israel sob os golpes de uma nação por ele subjugada, ainda
que não devam dar nenhum milímetro de apoio político aos
nacionalistas burgueses. Mas a seguir, o PSTU reivindica
o apoio a atos de agressão contra a população de Israel (o
que incluiria certamente a sua classe trabalhadora). Não
há nada de “leninista” em apoiar atos sanguinários de
ódio étnico. O PSTU menciona Lenin (sem citar nenhum
texto seu) afirmando que quem não apoia tais atos é um
“pacifista pequeno-burguês”. Ainda que não concordem
com métodos “terroristas”, os comunistas não condenam
atos de violência que tenham como alvo membros da
burguesia, seu exército e sua estrutura de repressão (como
aqueles que realizavam os Narodiniki russos). Mas nada há
de vantajoso para os trabalhadores em reivindicar ataques,
digamos, a residências, escolas ou estações de trem em
Israel por grupos islâmicos. Tais ataques são reacionários e
só reforçam o clima de ódio comunal da região, atingindo
principalmente trabalhadores.
O fato de os dirigentes da LIT preferirem ignorar
os interesses comuns entre os explorados árabes e os
explorados israelenses demonstra uma total falta de fibra
revolucionária para defender o programa da classe proletária
e uma vontade de “escolher a linha de menor resistência”. A
consciência de classe atrasada dos trabalhadores israelenses,
grande parte dos quais (contra os seus interesses objetivos)
defende formas de ideologia burguesa como o sionismo,
faz tais revisionistas acharem um “refugio” numa popular
ideologia nacionalista árabe, também burguesa, porém mais
receptiva. Contra essa capitulação, os marxistas reiteram
que a sua guerra contra o regime sionista é uma guerra
de classe, a ser protagonizada pelos trabalhadores
palestinos e israelenses (junto às outras classes oprimidas
e com apoio dos proletários do restante do Oriente Médio).
A posição dos revolucionários de defesa tático-militar
dos palestinos contra Israel, incluindo alianças tático-
militares com os partidos burgueses ou pequeno-burgueses
palestinos que resistem aos ataques sionistas, deve sempre
vir acompanhada de uma denúncia implacável da falsa
política do nacionalismo burguês.
Nahuel Moreno e seu fatalismo antimarxista
A capitulação da LIT ao programa do nacionalismo
árabe (já abandonado por seus próprios representantes)
e aos limites capitalistas desse programa possui em sua
raiz as posições programáticas desenvolvidas por Nahuel
Moreno, o falecido dirigente argentino fundador dessa
organização. Em 1982, numa polêmica publicada
em Correio Internacional número 8 (setembro de 1982),
Nahuel Moreno discutiu com um companheiro da seção
chilena da LIT, que levantou críticas bastante pertinentes
(ainda que limitadas) à sua política oportunista. O primeiro
questionamento levantado pelo “companheiro chileno”
(cujo nome não é revelado) foi o seguinte:
“1. Por que levantamos como consigna central
a de ‘Palestina laica, democrática e não racista’
burguesa? Por que estamos pela construção de um
Estado burguês na Palestina? Fica entendido que, se
surgir um Estado com essas características na luta
wikipedia.org
24
Em 2011 massivos protestos varreram Tel Aviv, em torno de deman-
das por moradia, saúde e educação de qualidade. Isso mostra o
potencial de luta que emana das contradições capitalistas a que
também se encontram submetidas as massas israelenses
contra o sionismo e o imperialismo, o apoiamos,
mas não está claro porque hoje a reivindicamos
como nossa consigna”. “2. Não fazemos com
isso uma concessão à ideologia reacionária da
‘revolução por etapas’, tão cara ao estalinismo e à
pequena-burguesia? Se não nos equivocamos, essa
foi a consigna central do estalinismo e da burguesia e
pequena-burguesia palestina até agora pouco (como
assinala Correio Internacional 7). Não dizemos o
mesmo que o estalinismo quando afirmamos que esse
Estado burguês palestino servirá ‘como um passo na
luta pelo socialismo’ (declaração da LIT)?”.
“Carta de um camarada chileno”
(espanhol). Disponível em: http://tinvurl.com/
hópdódt .
De fato, Moreno realizou uma profunda revisão
do arcabouço programático do marxismo na questão da
estratégia revolucionária. Diferente do esforço feito pela
Internacional Comunista e pela Quarta Internacional
para buscar uma estratégia para a revolução proletária
mundial mesmo nos países atrasados do capitalismo, onde
era fundamental ganhar o apoio do campesinato (que era
maioria dapopulação), Moreno se adaptou à ideia de que era
necessário se limitar a um programa democrático-burguês
numa “primeira fase” da revolução em todos os países do
mundo. Ele colocou abertamente que era necessária uma
“etapa”, que chamou de “revolução democrática”, na luta
pela revolução socialista. Isso não é uma leitura parcial,
mas algo que Moreno afirmou abertamente:
“Aqui há um problema político grave, tremendo, que
toco de passagem - se tivermos tempo, faremos um
grande livro. Parece que o fato da contrarrevolução
capitalista recolocou a necessidade de que haja uma
revolução democrática. E ignorar que o que está
acontecendo nos países adiantados, onde há regimes
contrarrevolucionários, também é uma revolução
democrática, é maximalismo, é tão grave quanto
ignorar a revolução democrático-burguesa nos
países atrasados. Isto é muito importante. Não sei se
é correto ou não. Se é correto, é preciso mudar toda
a formulação das Teses da Revolução Permanente.”
Escola de Quadros, “Teoria da Revolução”
(espanhol), 1984. Disponível em: http://tinvurl.
eom/ikmygn8 .
Tal postura altera a forma como se lida com os
partidos burgueses e pequeno-burgueses. De inimigos da
revolução proletária aos quais não se pode dar nenhum
apoio político e dos quais se deve expor a capitulação e
as vacilações para ganhar de suas bases os trabalhadores
conscientes, eles passam a “líderes” de uma “revolução
democrática”, aos quais os morenistas dão seu apoio.
Prossegue Moreno:
“Se é correto, muda toda nossa estratégia com
respeito aos partidos oportunistas e, em boa medida,
com respeito aos partidos burgueses que se opõem
ao regime contrarrevolucionário. Como um passo
até a revolução socialista, nós estamos a favor que
venha um regime burguês totalmente distinto.”
Ident.
Este “etapismo” descarado, a disposição em
orientar a luta do proletariado em tomo de tal “revolução
democrática”, a qual jamais existiu fora da imaginação fértil
de Moreno e dos seus seguidores [5], “mudam a estratégia
com relação aos partidos burgueses”. Na sua carta, o
“companheiro chileno” astutamente pergunta: “O nosso
método é seguir pela ‘esquerda ’ a pequena-burguesia e ir
retomando os restos das consignas que ela abandona no
caminho de sua capitulação diante do imperialismo?
Efetivamente, Moreno e a LIT renegaram a posição
trotskista de que a luta pela revolução proletária deve estar
em primeiro plano político inclusive na defesa de uma nação
oprimida. Moreno e Cia. renegam também que o sujeito
político dessa revolução deve ser o partido de vanguarda
do proletariado, armado com o programa bolchevique.
Contrariando os ensinamentos fundamentais da Teoria da
Revolução Permanente, preferem depositar suas esperanças
na falsa noção de uma “revolução democrática” como a
antessala daquela, sendo esta supostamente liderada por
partidos oportunistas e mesmo burgueses.
O método de Moreno portanto não é o do marxismo,
que é encontrar as formas de ganhar o proletariado para o
programa da revolução socialista, fazendo-o romper com a
ideologia burguesa e com os partidos burgueses, mas sim
um método objetivista, para o qual não importa a atual
liderança das massas ou seu caráter de classe, deve-se tentar
“empurrá-la” para o caminho da “revolução democrática”
(mesmo quando esses partidos burgueses rejeitam as
demandas democráticas mais básicas, como é o caso do
Hamas). Esse é também o motivo do seu abandono da luta
para ganhar o proletariado israelense para o programa do
marxismo, já que este é muito mais politicamente atrasado.
Na sua resposta ao “companheiro chileno”, Moreno dá
25
uma verdadeira “aula” do seu método objetivista:
“Se o propósito decisivo e fundamental é a destruição
do Estado sionista, se trata de estabelecer quais
são as forças objetivas que neste momento estão
embarcadas nessa tarefa progressiva, histórica, e
quais são as melhores consignas para apoiá-las
e conseguir com que cumpram seu compromisso
com o maior entusiasmo e forçai “Acaso estão
fazendo isso os explorados e discriminados sabras
e sefarditas de Israel? Ou são os trabalhadores
asquenazes? Nesse momento essas forças são o
baluarte do Estado sionista e não a vanguarda da
sua destruição. A aristocracia operária asquenaze,
através do Partido Trabalhista, está em tudo com
o sionismo. Os sabras e sefarditas deram a base
eleitoral a Begin e apoiaram com entusiasmo seu
plano de colonização das terras árabes.” “Isso
deixa atualmente como único setor social em luta
permanente contra Israel o movimento árabe e
maometano, em cuja vanguarda indiscutível estão
os palestinos, expulsos de sua pátria pelos sionistas.
Há 34 anos, quando se construiu o Estado racista, a
forma de lutar pela sua destruição é apoiar a justa
guerra dos palestinos e muçulmanos. Não vemos
outra, porque não há outra força na realidade
objetiva que se enfrente, de armas na mão, contra
o sionismo.” (ênfase nossa).
Polêmica sobre o Oriente Médio
(espanhol). Disponível em: http://tinvurl.com/
hópdódt .
O marxismo considera que a única classe
consistentemente revolucionária da sociedade moderna
é o proletariado. Os revolucionários não se desesperam
diante da atual consciência atrasada dos trabalhadores.
No Programa de Transição, Trotsky falou sobre a distância
entre as tarefas históricas colocadas para o proletariado e o
seu nível atrasado de consciência para cumpri-las. E preciso
pacientemente construir aos poucos uma consciência
revolucionária no seio das lutas do proletariado. Mas o que
Moreno fez foi aceitar como “fato consumado” o atraso
dos trabalhadores israelenses e que a liderança da luta
contra o regime sionista seria a burguesia árabe, na figura
da OLP, ignorando completamente as traições realizadas
por essa direção, prometendo “apoiá-la”, adaptando para
isso as suas consignas e o seu programa. Esse método é
mantido até hoje pelos seus seguidores. Apoiar qualquer
força “objetiva” (ou seja, com influência de massas)
em luta contra governos inimigos do proletariado,
independente do programa, liderança e classe social
que esta força represente. É evidente que a OLP jamais
cumpriu a esperança dos morenistas. Ao contrário, seguiu
a sua trajetória esperada e cada vez se adaptou mais aos
interesses sionistas e imperialistas.
Outro questionamento do “companheiro chileno”
foi: “ Por que sequer caracterizamos a OLP no Boletim
Interno? Acaso não é uma organização frentista
controlada pela burguesia e pequena-burguesia, com
Arafat como expressão disso? Não é uma organização que
já deu várias amostras de sua capitulação - em aberta
contradição com o incrível heroísmo demonstrado pelo
povo palestino?” . Em seu entusiasmo por embelezar a OLP
como liderança de sua “revolução democrática”, Moreno
rasgou completamente o marxismo:
“Vocês caracterizam a OLP como se fosse um partido
político a mais. Para nós, representa a nacionalidade
palestina como organização estatal sui generis laica,
democrática e não racista, em guerra. É quase
um Estado: é uma frente única que abarca todo o
movimento palestino em luta para reconquistar
sua pátria e voltar a ser um Estado. De fato, é um
governo, exigimos o seu reconhecimento do mesmo
modo como fazíamos pela FSLN na Nicarágua. E
uma nacionalidade organizada à qual suprimiram a
terra: quando a recuperar, voltará a ser nação. E uma
nação sui generis.” “Quando vocês não reconhecem
essa função da OLP, considerando-a uma simples
fração política dos palestinos, dão um fundamento
‘de esquerda’ à caracterização do imperialismo.
Ele também não a reconhece como organização
nacional palestina, defmindo-a como uma corrente
terrorista.”
Idem.
Influenciado pela popularidade que então tinha a
reivindicação da OLP de ser algo como um “governo no
exílio” e legítimo representante das massas palestinas,
Moreno introduziu uma categoria alheia ao marxismo,
de que um partido político pode representar “uma nação”
como um todo, cada uma de suas classes, do proletário e do
camponês ao grande capitalista. Rejeitamos o amálgama
morenista de que aqueles que expuseram o caráter
burguês da liderança da OLP estavam “fundamentando
a caracterização do imperialismo”. Trotsky combateu
precisamente esse tipo de revisionismo básico contra
Stalin e sua caracterização de que o partido nacionalista
Kuomintang era um “partido de quatro classes” ou de que
os governos burgueses de Frente Popular eram “governos
democráticos antifascistas”. Em todas essas ocasiões,
eram os estalinistas que defendiam a colaboração com
a burguesia disfarçando-a de “representante de todas as
classes democráticas”. Os marxistas não precisam inventar
esse tipo de artimanha porque seu compromisso é com a
revolução do proletariado. Ainda que taticamente possam
defender alianças militares com os partidos burgueses
de uma nação oprimida, como é o caso dos palestinos,
reconhecem nestes o seu caráter de classe. A caracterização
de Moreno servia apenas para tentar blindar a OLP de
criticas, e assim pavimentar o caminho de sua traição das
massas palestinas.
Temos aqui duas estratégias distintas: a do
morenismo e a do marxismo revolucionário. O primeiro
26
consiste em adaptar as palavras de ordem e as consignas
ao objetivo de tentar “empurrar” os partidos nacionalistas
burgueses para cumprir uma “revolução democrática”
cujas demandas estes próprios rejeitam, e que teria como
resultado esperado um Estado burguês. Também considera
o proletariado israelense da região parte do mesmo bloco
que seus opressores e se posiciona contra as lutas deste.
Esse esquema se mostra completamente falso cada vez
que um dos “líderes” da suposta “revolução democrática”
trai as massas palestinas. Já o método do marxismo prevê
corretamente que essas organizações burguesas vão
inevitavelmente trair as massas palestinas, e deseja reunir
estas sob a liderança do proletariado, ao mesmo tempo em
que quer dividir o “monólito” sionista em linhas de classe.
Busca assim unificar a luta dos trabalhadores israelenses
e árabes em tomo dos seus interesses comuns de classe
e dos direitos democráticos dos palestinos na luta pela
revolução socialista, que construa um governo proletário
que possa acender a faísca da revolução internacional.
Nesse momento, essa é a única via realmente realista para
os que querem lutar pelo socialismo na Palestina.
Por uma aliança internacionalista entre trabalhadores
árabes e israelenses!
O problema fundamental do proletariado na
Palestina é a ausência de um instrumento com influência
de massas que combata o Estado de Israel com os métodos
e a bandeira internacionalista da classe trabalhadora,
o partido revolucionário conjunto dos trabalhadores
israelenses e palestinos que lute para pôr um fim definitivo
ao terror sionista. Este objetivo só pode ser obtido através
da mobilização dos trabalhadores das duas nações em prol
da defesa dos palestinos e por demandas democráticas e
transitórias que desmascarem o monstro sionista, assim
como os débeis governantes da “Autoridade Palestina”.
Diante da inexistência de tal partido, os
revolucionários não devem se adaptar à consciência atual
dos trabalhadores, nem às variantes mais “radicais” dos
interesses burgueses, como o Hamas. O seu papel é lutar
contra as tendências nacionalistas, socialdemocratas ou
stalinistas presentes no seio da classe trabalhadora, reunir
e treinar uma coluna de quadros para construírem, quando
a oportunidade surgir, o seu partido revolucionário.
Tal partido deve defender os direitos nacionais
dos palestinos, incluindo o direito de retomo daqueles
palestinos que emigraram à força, bem como a
expropriação e socialização de toda a riqueza produzida
pelos trabalhadores palestinos e israelenses e a utilização
democrática, racional e planejada desses recursos para
melhorar radicalmente as condições de existência desses
dois povos, a viverem de forma fraterna em uma terra
compartilhada por irmãos de classe, sem ódio religioso ou
étnico. Apenas um partido assim será reconhecido pelos
trabalhadores das duas nações como verdadeiramente seu
- e carregará a bandeira da sua próxima vitória.
NOTAS
[1] Leia nossa declaração: Defender os palestinos! Nenhuma confiança
no Hamas e no Fatah!, de agosto de 2014. Disponível em http://tinvi.irl.
com/zp8cypk .
[2] Veja, por exemplo, todas as declarações recentes publicadas pelo
PSTU sobre a questão palestina. Nenhuma toca (sequer menciona) na
questão das tarefas de uma revolução socialista, se limitando sempre ao
programa da “Palestina laica, democrática e não racista”:
Gaza: uma vitória palestina: http://www.pstu.org.br/node/20963
Os sinais da Terceira Intifada: http://www.pstu.org.br/node/20864
Juventude Palestina, exemplo de força e resistência', http://www.pstu.
org.br/node/20864
Repudiamos a nova agressão de Israel aos Palestinos: http://www.
pstu.org.br/node/20864
[3] A posição trotskista na Palestina: Contra a Corrente (1948): http://
tinvurl.com/zfofqfs .
[4] Tendo em vista o reacionário antissemitismo tão disseminado entre
os russos por gerações de brutais opressores (dos Czares a Stalin), é
preocupantemente suspeito que o artigo afinnando que os trabalhadores
israelenses não podem ser “sequer reformistas” tenha sido escrito
justamente pela seção russa da LIT, o POI. Cabe ressaltar que, apesar
de essa posição ter sua origem em formulações do próprio Moreno,
como demonstraremos na seção seguinte, ela não tem aparecido de
forma explícita em artigos e declarações próprias do PSTU ou da
direção da LIT. Cabe ressaltar ainda que esse tipo de afirmação justifica
diretamente a defesa que a LIT faz de agressões contra a população
israelense, como criticamos adiante.
[5] Somente nos últimos anos, tivemos dentre as “revoluções
democráticas vitoriosas” propagandeadas pelos morenistas a intervenção
imperialista sobre a Líbia que colocou os “rebeldes” no poder e o golpe
militar contra o governo da Irmandade Muçulmana no Egito. Confira
nossas polêmicas:
De que lado da trincheira?. Disponível em http://tinvurl.com/od7f3e5 .
O golpe militar no Egito e a posição escandalosa do PSTU/LIT.
Disponível em: http://tinvurl.com/o6viDiih .
Continuação da p. 34 t t , . .
(CNS) tenta administrar as
diferentes unidades do Exército Livre da Síria (ELS), que
é um racha das forças armadas do país. Desde 20 1 1 , o ELS
ganhou importantes posições no país, mas muitas foram
perdidas de volta para Assad ou tomadas pelo Estado
Islâmico. Em nosso artigo de 2012, nós explicamos a
composição política e militar do CNS/ELS: as ligações
dos seus componentes principais com os imperialistas e
o seu programa burguês. Desde então, o ELS foi pouco
a pouco dominado por forças de orientação religiosa
(principalmente os líderes sunitas insatisfeitos com os
aspectos seculares do regime alauita de Assad). O ELS
também passou a operar junto com outras forças, tais quais
a “Frente Islâmica” que se originou em 2014.
Apesar das ilusões na esquerda de que suas operações
contra o regime Assad constituíam parte da “revolução
síria”, deixamos claro naquele artigo que esses “rebeldes”
não são uma força política que vá trazer conquistas para
os trabalhadores sírios, menos ainda para as minorias
nacionais do país.
Os Estados Unidos não conseguiram uma aliança
duradoura com a maioria dos rebeldes, que não foram
27
considerados “moderados” o suficiente. Washington tem
tomado mais cuidado com seus aliados desde a desastrosa
experiência na Líbia, onde muitas das armas enviadas
acabaram caindo nas mãos de extremistas antiamericanos.
Algumas unidades específicas do ELS, entretanto,
receberam significativa ajuda militar dos Estados Unidos e,
nesse momento, Obama já começou a treinar o seu próprio
“grupo rebelde”, o qual deve ser denunciado enquanto uma
tropa terrestre do imperialismo. Conforme noticiado:
“Os EUA decidiram fornecer caminhões com
metralhadora e rádios para chamar bombardeios
aéreos a alguns rebeldes sírios moderados, disseram
oficiais da Defesa. Mas não foi combinado o
alcance de nenhum bombardeio - um reflexo das
complexidades do campo de batalha na Síria.
“O plano chega enquanto os EUA preparam-
se para começar a treinar rebeldes moderados, que
estão travando uma luta em duas frentes contra os
extremistas e o regime sírio. Oficiais da Defesa
disseram que o treinamento vai começar em
meados de março, na Jordânia, com um segundo
acampamento previsto para abrir logo depois na
Turquia.”
Os EUA darão a alguns rebeldes sírios
a capacidade de chamar bombardeios, 17 de
fevereiro de 2015. Disponível em: http://tinvurl.
com/koixzx5
[Janeiro de 2016: a entrada da Rússia no conflito
a partir de outubro 2015, incluindo tanto ataques aéreos
como envio de grandes quantidades de tropas terrestres
- inicialmente favorecendo Assad e posteriormente dando
apoio logístico e militar também a certas forças rebeldes
- complexificou o cenário. Atualmente, tudo aponta para
a construção de um governo de transição que contemple
os interesses econômicos tanto da Rússia quanto dos EUA,
bastante distintos, é bom que se diga, dos interesses dos
trabalhadores e do povo sírio.]
Outro competidor reacionário na guerra civil síria
que tem ganhado força recentemente é o autodenominado
Estado Islâmico da Síria e do Levante (EI). Ele era antes
parte de uma mesma operação militar fundamentalista
com o Al-Qaeda na Síria (Frente Al-Nusra). Foi a Frente
Al-Nusra quem rompeu relações com EI no início de 2014,
afirmando que eles eram “intransigentes demais”.
A essa altura, o EI já ti nh a tomado importantes
posições no Iraque. Financiado largamente por barões do
petróleo muçulmanos dos países que também estavam
dando apoio aos rebeldes, os chamados “Amigos da Síria”
(Turquia, Catar e Arábia Saudita), o EI se beneficiou de
suas ligações com a oposição síria para obter armas e
recrutar combatentes. Chegou ao poder em importantes
cidades iraquianas como ponta de lança de uma revolta
sunita contra o governo xiita apoiado pelos Estados Unidos.
A partir de então, o EI controlava um território maior do
que o Al-Qaeda jamais foi capaz. Muitas das cidades sob
seu poder tem uma grande produção petrolífera, que o EI
exporta para financiar seu esforço expansionista. Ele está
em guerra contra o governo iraquiano (que recebe ajuda de
tropas americanas no terreno) com a intenção de construir
um “Califado” sob seu rígido controle. Por volta da mesma
época, o EI reforçou suas posições na Síria e tomou
províncias no desértico leste do país, e toda a região de
fronteira entre o Iraque e a Síria. Ele tem lutado ao mesmo
tempo contra Assad e forças oposicionistas, especialmente
unidades do ELS.
O EI parece ser a mais bem treinada e equipada
das forças de oposição ao governo. Cerca de 8 milhões de
pessoas vivem nas cidades que ele controla nos dois países
e o grupo conseguiu estabelecer um tipo de “economia
de guerra” na qual a população fica dependente deles
para obter comida e outras necessidades, o que até agora
garantiu uma colaboração passiva com a sua ocupação. Eles
tem perseguido severamente minorias não-muçulmanas (e
mesmo alguns grupos muçulmanos) e se gabam a respeito
de escravizar e vender mulheres de outras religiões, assim
como de massacrar grupos de aldeões não-muçulmanos.
O EI controla cerca de um terço do território sírio, onde
impuseram a Lei Islâmica / Sharia.
Consideramos o Estado Islâmico uma forma de
reação fundamentalista que busca eliminar mesmo os
direitos políticos, sociais e seculares mais básicos do
povo. Se o EI for vitorioso em todo o território sírio,
isso significaria a queda de muitas minorias étnicas e
religiosas em uma condição de escravidão, ou sua simples
execução. Um partido revolucionário de trabalhadores
na Síria buscaria defender o povo oprimido e organizar
as massas trabalhadoras das cidades e do campo contra
esses bandidos cruéis. A sua derrota é essencial para os
trabalhadores. Porém, nosso chamado para derrotar o EI
não muda nossa denúncia e oposição à intervenção aérea
conduzida pelos Estados Unidos.
Os imperialistas não apresentam uma alternativa
de melhoria de vida para o povo sírio e já foram capazes
de ações dezenas de vezes mais bárbaros que as do EL O
crescimento do EI é, em última instância, um subproduto
da sua desastrosa ocupação do Iraque, apenas para dar um
exemplo. Enquanto o governo e a grande mídia americana
expõem as crueldades do Estado Islâmico, escondem os
atos de terror cometidos pelos seus aliados na Síria, que
também incluem muitas atrocidades (sem mencionar o alto
número de vítimas e ferimentos provocados pela morte que
cai do céu na forma de bombardeios).
Nós não temos nenhuma pena pelas derrotas que
os imperialistas sofrerem no Iraque e na Síria. Não nos
esquecemos dos crimes cometidos pelos imperialistas
no Iraque (incluindo as mortes de cerca de 120.000 civis
iraquianos) e consideramos sua expulsão do Oriente
Médio, assim como a derrota de suas “tropas terrestres”,
como uma prioridade. Mas apesar do fato de que o EI tem
sido o alvo dos bombardeios imperialistas, a sua conquista
28
de cidades iraquianas e sírias com objetivo de estabelecer
regimes de terror não é nenhuma forma de “luta anti-
imperialista” e sim uma ação reacionária.
As “boas intenções” de Obama em bombardear o EI
para supostamente salvar minorias na Síria são mentirosas.
A intervenção americana tem o propósito único de
garantir seu poder sobre o país. Qualquer um que duvide
das intenções dos EUA (e de outras grandes potências)
na Síria deveria olhar para os “grandes experimentos
de democracia” que se tomaram a Líbia e o Iraque. Os
bombardeios americanos tem a intenção de ganhar tempo
e conter o El (ao mesmo tempo em que o usa para cansar
o regime Assad) enquanto Washington organiza melhor as
forças leais a si no território sírio.
[Janeiro de 201 6: Atualmente, esse parágrafo parece
ter se desatualizado diante da aparente decisão dos EUA,
França e Grã-Bretanha de destruir o EI, pressionados
pelos bombardeios russos em defesa de Assad e pelo
alarme mundial com relação aos fundamentalistas. Porém,
na altura em que esse texto foi escrito, tudo indicava que
a estratégia dos EUA girava em torno de “ administrar ”
a situação, deixando o EI enfraquecer Assad e buscando
fortalecer as posições dos rebeldes mais “moderados ”.]
Além de levar em conta as ameaças dos imperialistas
de um lado e do Estado Islâmico de outro, não se pode
perder de vista que uma revolução proletária na Síria
só pode vencer por cima do cadáver morto da brutal
ditadura de Assad. O ditador e seu partido impuseram a
ordem capitalista sobre a classe trabalhadora por décadas,
com os mais brutais métodos. Seria prioritário organizar
autodefesas entre os trabalhadores, especialmente das
minorias perseguidas contra os vários exércitos em disputa,
garantindo assim um polo politicamente independente das
forças reacionárias que lutam pelo poder.
A esquerda sem independência de classe
Os grupos na esquerda que afirmam defender a
vitória de uma inexistente “revolução síria” contra Assad
usam a ausência de um processo como esse como fachada
para apoiar os esforços do Exército Livre da Síria. O
argumento principal é de que muitas das unidades que
nele participam não são subordinadas à Coalizão Nacional
Síria. Seriam, em vez disso, forças populares emergindo
das ruas e dos protestos da Primavera Árabe.
Essa é a posição, por exemplo, do Secretariado
Unificado da Quarta Internacional (SU), cuja seção no
Brasil é a corrente Insurgência, do PSOL. Em seu site
internacional, foi publicada uma entrevista com um
membro de um desses grupos aderentes do ELS e que se
reivindicaria marxista. Quando foi perguntado sobre a
cooperação com outras unidades do ELS, o combatente
respondeu:
“Existe cooperação e coordenação, mas de forma
limitada. Por um lado por conta das diferentes
visões e objetivos, ou disparidades entre posições
devido à localização geográfica onde os camaradas
estão lutando e a natureza das outras organizações.
Por outro, essas organizações em geral não aceitam
ninguém mais....”
“ Nossa falta de armas nos põe em uma situação
de fraqueza”, 18 de janeiro de 2015. Disponível
em: http://tinvurl.com/nhiea3b
Não surpreende a dificuldade de coordenação com as
outras unidades do ELS, já que muitas delas são lideradas
por oficiais leais e subordinados ao CNS, e através deste aos
seus patrões imperialistas. Isso para não mencionar aquelas
unidades que mencionamos, que recebem treinamento e
armas diretamente dos imperialistas. Isso sem esquecer os
vários grupos islâmicos que também estão sob o teto do
ELS.
O ELS é certamente um exército heterogêneo. Mas
a pergunta que o site do SU não fez a esses combatentes,
e que deveria ser o primeiro questionamento é: por
que essa organização (que o SU considera “marxista
revolucionária”) está trabalhando lado a lado com esses
tipos? Por que eles, em vez disso, e já que afirmam
representar a classe trabalhadora síria, não organizam uma
brigada independente, oposta aos elementos que estão
mancomunados com os imperialistas para vender o país
caso consigam derrotar Assad?
De certa forma, o dilema desses combatentes é o
mesmo dilema do SU e das demais correntes que apoiam os
rebeldes contra Assad. Não querem defender uma posição
proletária independente do CNS e do ELS e só veem
possibilidade imediata de derrubar o regime junto com
essas forças reacionárias. Por isso, abandonam qualquer
pretensão de uma política marxista e passam a embelezar
a natureza e o programa do ELS, ainda que criticando sua
liderança.
Conclusão muito semelhante é compartilhada
por outros grupos que dizem reivindicar o trotskismo,
como aquela da morenista Unidade Internacional dos
Trabalhadores, cuja seção brasileira é a corrente CST, do
PSOL, com a qual polemizamos de forma mais extensa
em artigo de outubro de 2012 (O Morenismo e a Posição
da CST/UIT na Síria), ou como pela também morenista
Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT - dirigida pelo
PSTU brasileiro).
Apesar da aderência inevitável de elementos
iludidos por uma ideologia pretensamente “democrática”,
reafirmamos que o ELS é, como um todo, controlado por
oficiais do CNS e outras forças burguesas. Não há nada
para ser ganho para a classe trabalhadora ao ajudar esse
exército. A não ser que o SU e outros grupos, como a UIT
ou a LIT, acreditem em algum tipo de “dinâmica” mágica
que vá colocar a classe trabalhadora no poder ou numa
posição melhor no instante em que Assad cair pelas mãos
dos rebeldes ou do imperialismo. Já vimos esse filme na
Líbia, na Ucrânia e em muitas outras ocasiões em que
tais grupos apoiaram o “movimento de massas” com uma
liderança reacionária.
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29
A questão curda e a batalha por Kobane
No cenário já complexo que é a guerra civil na Síria,
as coisas ficam ainda mais densas ao levar em conta o
elemento curdo. O Curdistão é a maior nação sem Estado
no mundo. Estamos falando de cerca de 30 milhões de
pessoas divididas pelo território da Turquia, Irã, Iraque,
Armênia e uma pequena região no norte da Síria (Rojava).
Tal ordem de coisas é um legado da prática de “dividir
para dominar” do imperialismo britânico após a queda do
Império Otomano.
Os marxistas defendem os direitos nacionais dos
curdos, incluindo o direito à autodeterminação, ao uso do
idioma em todas as esferas da vida e contra todas as formas
de segregação. Mas isso não significa que consideramos
a separação territorial das regiões curdas como uma
“solução” para os problemas dos trabalhadores dessa
nacionalidade. Tomaríamos o lado curdo em uma guerra
pela independência ou por autonomia regional (incluindo o
apoio militar) se esse for o desejo desse povo em qualquer
momento.
Ao mesmo tempo, a separação nacional é, para
os marxistas, um interesse subordinado à luta proletária.
Há questões políticas de maior prioridade, como a
independência de classe dos trabalhadores e a defesa das
nações oprimidas contra os ataques imperialistas. Eis um
exemplo ilustrativo. Em 2003, quando os EUA atacaram
o Iraque, os líderes nacionalistas burgueses do Curdistão
iraquiano apoiaram a invasão imperialista contra o regime
de Saddam Hussein, em busca de promessas de maior
autonomia regional.
Defendemos todo e qualquer ganho de autonomia
para a população curda. Mas quando o Peshmerga (o
exército dos curdos iraquianos) estava lutando sob
comando do exército americano, não era uma força pela
independência curda contra Bagdá, mas um braço do
projeto imperialista de subjugar toda a região. Assim,
nos oporíamos aos esforços dos capitalistas curdos para
apoiar a invasão imperialista, ao mesmo tempo em que
seguiríamos defendendo os direitos nacionais curdos.
Hoje, uma situação parecida ressurge no Iraque, com
a coalizão liderada pelos EUA contra o Estado Islâmico. Os
O cerco à Kobane: tropas do ISIS por todos os lados e tropas turcas
na retaguarda
principais partidos políticos curdos no território iraquiano,
KPD (Partido Democrático Curdo) e PUK (União Patriótica
do Curdistão), apesar de sua suposta rivalidade, usam sua
posição à frente do governo regional no norte do Iraque
para apoiar os imperialistas.
Mas enquanto no Curdistão iraquiano a cena
é dominada pelos capachos imperialistas, na Síria a
força política mais influente entre a população curda é
atualmente o Partido da União Democrática (PYD), que é o
associado sírio do antes maoista Partido dos Trabalhadores
do Curdistão (PKK), que opera na Turquia. Em 2012, as
tropas leais a Assad se retiraram completamente das regiões
curdas, o território conhecido como Rojava. Não está claro
se devido a limitações militares ou como uma tentativa
demagógica de ganhar apoio dos curdos, ou ambos. E
desde então Rojava basicamente ficou sob controle do
PYD. Através de sua organização militar, as Unidades de
Proteção Popular (YPG), o PYD entrou em confrontos
com ambos o regime Assad e a oposição, em diferentes
ocasiões. Mas desde que o avanço do Estado Islâmico no
norte começou, o YPG tem entrado consistentemente em
choque com ele.
As investidas do EI no território sírio colocaram-no
em conflito com os curdos em julho de 2014 em Kobane
(um dos três cantões sob o governo do PYD próximos da
fronteira com a Turquia). Isso chamou atenção mundial
e a resistência curda ganhou vasta simpatia, ficando
conhecidos como os “revolucionários que enfrentam
o Estado Islâmico”. O EI finalmente foi derrotado na
região no começo de 2015 através de uma combinação
da luta incansável dos curdos (que estiveram sempre em
inferioridade técnica) e bombardeios imperialistas. Kobane
ficou sitiada por meses, durante os quais muitos grupos na
esquerda (especialmente alguns anarquistas) falavam de
um caráter revolucionário da resistência curda.
O PYD é um partido fundado em 2003 por ativistas
simpatizantes do PKK na Síria. Ele era considerado pelo
governo sírio como um fator de instabilidade devido a seu
apoio popular e por operações clandestinas nas regiões
curdas. Sua principal fonte de orientação ideológica é o
PKK, que foi criado em 1978 como um grupo maoista
dedicado à resistência armada contra a opressão da
população curda na Turquia e que tem uma longa história
de resistência contra o governo.
Mas, aparentemente, o PKK não é mais um aderente
do maoismo, com suas práticas stalinistas de perseguição
a oposicionistas internos e um programa de “guerra
popular” cambaleando entre um programa democrático
burguês de “Nova Democracia” e a perspectiva de
reproduzir um regime burocrático de economia estatizada,
como a China de Mao. De acordo com muitos relatos,
desde a prisão de Abdullah Ocalan (seu líder histórico)
em 1999, o PKK tem passado por uma transformação
programática rumo ao que é descrito pelo próprio Ocalan
como “Confederalismo Democrático”. Esse é um ponto
de vista inspirado por autores libertários e que busca a
construção de “autogovernos populares” sem Estado, em
30
cada localidade.
O PKK ainda é considerado pela OTAN e pelo
governo turco como uma “organização terrorista” e os
marxistas por todo o mundo tem o dever imperativo de
defender o grupo contra todos os ataques vindo do brutal
regime de Erdogan. Com exceção de alguns breves
períodos de trégua (o último dos quais vem desde 2013), o
PKK tem continuamente lutado contra o regime turco por
autonomia para as regiões curdas. Mas embora seja difícil
dizer quão consolidado é esse giro (é preciso lembrar que
o PKK segue uma organização clandestina), ele parece ter
mudado definitivamente a feição do grupo.
Para os trotskistas, os trabalhadores e camponeses
precisam construir um poder baseado em suas próprias
forças para esmagar a dominação militar, política e
econômica da burguesia e impedir suas tentativas de
retomar ao poder após uma insurreição vitoriosa. Esse
autêntico “governo de trabalhadores” deve abranger
todo o território e se basear em representantes eleitos
democraticamente pelos proletários e camponeses (e
revogáveis pelas assembleias que os elegeram). Essa é
a fórmula capaz de equilibrar a natureza local da gestão
democrática direta com os interesses de grande escala da
classe trabalhadora em todas as áreas.
Por último, mas não menos importante, esse governo
deve dar apoio intemacionalista e suporte material e político
aos proletários dos outros países nas lutas para derrotar as
“suas” burguesias. O socialismo não pode ser alcançado
em bases nacionais e, em última instância, nenhum
governo de trabalhadores pode sobreviver isolado em um
mundo dominado pelo imperialismo. O programa político
do PKK/PYD parece passar por cima da necessidade
de construir essa “ditadura proletária” baseada em uma
economia coletivizada e no poderio militar centralizado
dos trabalhadores.
Como foi mencionado, o PYD tem o controle
militar da região de Rojava. Ele adotou uma “Carta
do Contrato Social de Rojava” no início de 2014 e esse
documento constitucional não faz nenhuma menção ao
socialismo, controle coletivo dos meios de produção ou
democracia operária. Trata-se de uma combinação confusa
de participação comunitária e manutenção da propriedade
privada. O artigo 41 assegura que “Todos tem o direito
de possuir propriedades e a posse pessoal é garantida”,
enquanto o artigo 42 diz que o sistema econômico busca
“garantir a economia participativa enquanto promove
a competição de acordo com o princípio da gestão
democrática ‘A cada um de acordo com seu trabalho’.”
[Janeiro de 2016: Com a derrota do EI, o PYD
se estabeleceu em uma região onde todos os partidos e
governos burgueses haviam sido derrotados ou se retirado.
Ele não é um partido burguês, mas uma organização
baseada na mobilização de trabalhadores e camponeses
da região. As condições são as mais propícias para o
estabelecimento de um governo proletário, com controle
democrático dos trabalhadores e camponeses sobre os
meios de produção, a política e o exército. No entanto,
vemos que o PYD não tem clareza sobre a natureza do
regime que ele quer construir. Embora tenha um discurso
democrático, a manutenção da propriedade capitalista
coloca limites claros de desigualdade e de democracia
na sociedade. Diante do que aconteceu até o momento,
não existe nenhuma garantia de que o governo do PYD
romperá com a burguesia de forma definitiva. Os lutadores
da região devem lutar por uma direção revolucionária e
combater as vacilações da atual]
Durante e após a batalha contra o Estado Islâmico
em Kobane, o PYD também propagou perigosas ilusões
nas unidades Peshmerga do governo regional curdo
no Iraque (das quais recebeu armas) e na intervenção
aérea dos EUA. Eles soltaram uma declaração pública
“agradecendo” a ambos por sua luta contra o EI, durante
a qual o PYD deu aos EUA aconselhamento militar tático
(onde realizar os bombardeios). Um líder do PYD, Saleh
Muslim, expressou essa postura em várias declarações à
imprensa:
“De acordo com Muslim, a coalizão internacional
‘salvou as vidas de muitos civis’ na sua guerra
contra o EL... Ele também agradeceu à coalizão
internacional liderada pelos EUA por apoiar os
curdos em sua dificuldade e por ajudar as forças
do YPG a resistirem ao grupo radical EI. ‘Tais
operações reforçam a relação entre os curdos e
os Estados que defendem a democracia e a paz’,
concluiu Muslim.”
“ Curdos sírios instam coalizão liderada pelos EUA
a intensificar os ataques contra o EI em Kobane”,
13 de outubro de 2014. Disponível em: http://
tinvurl.com/pkzaufb
Apesar disso, acreditamos que os marxistas deveriam
defender Kobane contra o avanço dos reacionários
fundamentalistas do EI. O que os trabalhadores e militantes
com intenções revolucionárias em Rojava precisam
urgentemente é de uma orientação política que seus líderes
não tem a oferecer: a construção de um poder direto dos
trabalhadores. Mais importante, é preciso garantir que
não se desenvolvam expectativas ou ilusões no caráter
dos governos burgueses do Curdistão iraquiano ou nos
bombardeios americanos.
Os EUA tinham a intenção de conter o avanço
do EI em Kobane (na fronteira com a Turquia) para os
seus próprios propósitos reacionários, e não “ajudar” o
povo curdo. Tampouco o governo americano está entre
os defensores da “democracia e paz” no mundo. Não
esqueçamos que Washington é um grande aliado do
regime turco de Erdogan, que durante todo o tempo fez
de tudo para impedir que o PYD recebesse ajuda das
bases do PKK na Turquia. Não condenamos o PYD por
ter conseguido armas de qualquer fonte que as estivesse
oferecendo (desde que sem imposição de condições). E ele
certamente tinha o direito de se beneficiar taticamente do
fato de que o EI estava sendo alvo dos imperialistas, desde
31
que tivesse clareza sobre a natureza dos bombardeios.
O sectarismo de parte da esquerda contra os lutadores
de Kobane
Alguns grupos na esquerda se basearam nas posições
oportunistas da liderança do PYD para justificar tomar o
lado do Estado Islâmico (!!!) em Kobane. Esse é o caso da
seita degenerada (mal) disfarçada de organização trotskista
que é a Liga Espartaquista dos EUA. Em uma edição do
seu jornal, eles expuseram suas razões:
“Forças do governo iraquiano e peshmerga curdos
no Iraque estão novamente conduzindo operações
militares conjuntas com os EUA, como fizeram
por anos sob a ocupação. Mais recentemente,
nacionalistas curdos sírios também selaram uma
aliança traiçoeira com os EUA na batalha por
Kobane no norte da Síria, agindo como auxiliares
de bombardeios dos imperialistas e coordenando
movimentos militares como um todo. O fato de
que todas essas forças são ‘tropas terrestres’ para a
intervenção imperialista significa que os marxistas
revolucionários [sic] tem seu lado militar com o EI
quando ele atacar os imperialistas e seus agentes,
incluindo os nacionalistas curdos sírios, o peshmerga,
o governo de Bagdá e suas milícias xiitas.”
Abaixo a guerra dos EUA contra o EU, 31 de
outubro de 2014. Disponível em: http://www.icl-
fi.org/english/wv/1055/isis.html
Em sua investida para conquistar Kobane, o Estado
Islâmico não estava lutando contra um reduto imperialista,
já que não havia quaisquer tropas dos EUA no terreno. O
YPG era a única força combatendo os fundamentalistas
com armas nas mãos em Kobane e, apesar das posições
vacilantes de sua direção, ele não pode ser seriamente
considerado uma “tropa terrestre” dos imperialistas. O
YPG resistiu ao cerco do EI em Kobane por muitos meses
mesmo antes de os imperialistas se envolverem.
Os revolucionários devem criticar as ilusões
propagadas por Muslim e pelo seu “agradecimento” cheio
de ilusões à coalizão internacional. Mas o que está em
questão para determinar que lado tomar em Kobane é
se essas posições ou a colaboração militar tática com os
imperialistas tomam o PYD uma força subordinada aos
EUA em seus esforços para subjugar a Síria.
Acreditamos que o exército americano se aproveitou
do conflito em Kobane para bombardear o EI, mas não
tinha a pretensão de usar o PYD, que ele ainda considera
uma organização terrorista, como uma alavanca para
controlar o norte da Síria. Afinal, terminada a batalha,
os EUA não foram capazes de ter qualquer controle real
sobre Rojava. O PYD, por sua vez, estava se beneficiando
dos bombardeios dos EUA, mas não está integrado e
subordinado aos esforços militares dos imperialistas na
região.
Portanto, a batalha por Kobane não consistiu
em agentes dos EUA lutando contra o Estado Islâmico
(como quer a Liga Espartaquista), mas sim uma força de
resistência curda coordenada (mas não subordinada) com
bombardeios americanos, lutando contra os reacionários
fundamentalistas. Em tal luta, os revolucionários ti nh am
um lado - com o PYD/YPG contra o EI, enquanto ao
mesmo tempo diziam aos trabalhadores e militantes no
Curdistão sírio a não confiar que os EUA ou o Peshmerga
pudessem ser considerados, mesmo momentaneamente,
seus “aliados”.
O que essa posição demonstra é que a Liga
Espartaquistaperdeu completamente seu senso deproporção
(se é que tinha algum). A vitória do YPG em Rojava não é
a mesma coisa que a vitória dos rebeldes na Líbia em 2011.
Não se tratou de uma queda de governo orquestrada pelos
imperialistas para colocar um fantoche em seu lugar. O
resultado foi a manutenção no poder de um partido curdo
com bases populares que havia subido ao poder como fruto
da própria dinâmica da guerra civil. A resistência vitoriosa
contra o EI foi um contraponto importante para evitar o
avanço da reação fundamentalista.
Por resistências proletárias em meio à guerra civil
Diante do elemento de sectarismo religioso presente
nas guerras que se desenrolam no Iraque e na Síria
(envolvendo a rivalidade sunita/xiita) e o derramamento de
sangue de ambos os lados, existe espaço para o surgimento
de uma resistência não-sectária da classe trabalhadora
contra esses crimes. Se acompanhada do impulso
revolucionário de expulsar os imperialistas do Oriente
Médio, impedir a vitória dos reacionários fundamentalistas
e defender os curdos e outras minorias étnicas, essa posição
tem potencial para desenvolver-se rapidamente entre os
trabalhadores que não veem nenhuma alternativa entre os
competidores pelo poder.
Não existe na Síria nenhum partido de massas da
classe trabalhadora (nem mesmo reformista) devido a
décadas de opressão do regime de Assad sobre o país.
A única federação sindical legalizada é inteiramente
submetida à estrutura de Estado controlada pelo Partido
Socialista Árabe Baath (o partido do regime). Uma
posição de contraste com as que estão postas pela guerra
iria imediatamente ganhar simpatia da classe trabalhadora,
mesmo se inicialmente representada apenas por um
grupo pequeno de quadros programaticamente sólidos
e dedicados. Entretanto, embelezar qualquer das forças
principais da disputa só pode levar a desastres.
Ações de solidariedade operária sem fronteiras são
uma pedra de toque do trotskismo e seriam essenciais para
preparar os trabalhadores e camponeses sírios, iraquianos,
turcos e curdos contra “suas” respectivas classes dominantes
e as maquinações ferozes dos imperialismos. A única
forma de assegurar uma paz de longo prazo na região é
através de revoluções socialistas vitoriosas que ponham
fim às rivalidades reacionárias entre clãs capitalistas
O Globo
32
competidores e sua constante dependência de alianças
traiçoeiras com os imperialistas.
Além disso, é preciso começar o quanto antes a
construção de um partido revolucionário dos trabalhadores
na Síria. Junto a umprograma socialista completo de controle
operário sobre as principais indústrias e revolução agrária
no campo, uma organização trotskista na Síria também
defenderia um conjunto de demandas democráticas contra
o regime e seus adversários reacionários. Isso demonstraria
o desejo sem compromissos dos revolucionários em
construir uma democracia proletária, em oposição às falsas
promessas “democráticas” dos imperialistas. -x
Panfleto sobre a luta dos servidores estaduais do RJ
Fevereiro de 2016
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23
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B .
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Mi'
Este panfleto foi distribuído pelo Reagrupamento Revolucionário no massivo protesto dos trabalhadores
estaduais do RJ no dia 2 de março (foto). Além dos trabalhadores, 0 protesto também recebeu 0 apoio de
um grande número de estudantes secundaristas, que lutam contra a situação caótica causada pelos cortes
na educação. Ele continua sendo utilizado nas assembleias e atos dos educadores em greve e dos servidores
do Estado.
Trabalhadores contra 0 governo Pezão
Pezão está destruindo os serviços públicos do
estado do Rio de Janeiro. A queda de arrecadação de
royalties devido à baixa do preço do petróleo revelou 0
rombo nas contas do estado causado pela transferência de
dinheiro público para empresas privadas, isenções fiscais
para os empresários, corrupção e má gestão. Os cortes das
verbas estão deixando trabalhadores sem salário, fechando
escolas, bibliotecas e universidades, causando um caos nos
hospitais. O governador não hesitou em lançar também um
“pacote de maldades” contra os trabalhadores a população.
Ele quer 0 aumento da cobrança previdenciária dos
servidores, congelamento de salários, restrição ou mesmo
corte do Bilhete Único etc. Enquanto isso, segue dando
bilhões em isenção fiscal para empresários e assumindo
dívidas das empresas privadas, como os 39 milhões da
conta de luz da Supervia/Odebrecht.
Superar 0 MUSPE
OMUSPE(quereúne somente as diretorias sindicais
de várias categorias) chamou 0 protesto do dia 3 de fevereiro,
que encheu a ALERJ. Isso mostra a disposição de luta dos
servidores. Mas para derrotar Pezão será necessária uma
luta firme, que fuja da rotina da burocracia que domina
a maior parte desses sindicatos. É preciso brigar por
assembleias de base em todas as categorias e preparação
de uma greve unificada e combativa. Mas a burocracia
sindical não está preparando essa luta. Chamou outro
protesto só para 0 começo de março e uma paralisação de
três dias. Se ficar só chamando um ato por mês, fazendo
só paralisações curtas, não vai fazer nem cócegas no
governo. Não podemos ir a reboque dessa perspectiva, que
não almeja sequer organizar os milhares de terceirizados e
contratados.
É preciso unidade com os contratados e terceirizados
E preciso unir os trabalhadores por um serviço
público, gratuito e de qualidade, com estabilidade e plano
de carreira digno. Para isso, não basta a demanda de mais
concurso público, porque isso deixa de fora os milhares
33
de trabalhadores contratados e terceirizados de hoje.
Devemos exigir, por isso, também a imediata integração
desses trabalhadores, com igualdade de direitos. Temos
de romper as barreiras impostas pelo governo e patrões
para nos dividir. Mas a burocracia sindical não defende
essa perspectiva. Inclusive o PSOL e o PSTU, que dirigem
o SEPE, se limitam à visão de “mais concursos”.
Nada de rotina e corporativismo
Para essa luta ser vitoriosa, ela não pode ser
meramente corporativa, se limitando a defender o
pagamento dos salários atrasados. É preciso ganhar o apoio
da população combatendo também os outros ataques de
Pezão, questionando por inteiro a lógica de transferência de
recursos públicos e “incentivos” às Organizações Sociais
(OS) e outras empresas.
Sem capitulação à polícia
Os policiais (e setores militaristas dos bombeiros)
reprimem as lutas dos trabalhadores. Apesar de serem
servidores do estado, não podemos ter ilusões de que são
“amigos” ou aliados da classe trabalhadora. A burocracia
sindical não tem o direito de calar os servidores e ativistas
que sabem disso e denunciam o papel cumprido pela polícia
contra a população negra e os pobres no estado do Rio. Em
todas as manifestações, devemos chamar também pelo fim
da polícia militar e demais forças de repressão. Mais
uma vez, nem a burocracia sindical e nem o PSOL/PSTU
na direção do SEPE falam uma palavra sobre os crimes
da polícia, por desejarem um movimento conjunto com a
“base” dos policiais.
Confiar em nossas próprias forças
Não dá para ganhar essa luta apostando
prioritariamente em apelos à Justiça ou a parlamentares. Se
o apoio de deputados existe, deve ser explorado para
divulgar a luta. Mas não pode ser mais do que um
acessório. Explorar as contradições da Justiça faz parte,
mas não substitui a luta. Através da grande maioria
dos seus membros, tanto a Justiça como a Assembleia
Legislativa são, em última instância, vendidas para os
mesmos se nh ores que mandam no governo Pezão. Está
na hora de a classe trabalhadora deixar claro que não vai
aceitar os ataques da corja capitalista corrupta de Pezão e
seus aliados (incluindo o governo Dilma). Mãos à obra,
companheiros! A luta!
- Pagamento imediato dos salários e direitos atrasados!
- Incorporação dos contratados e terceirizados com
igualdade de direitos!
- Chega de privatização: por serviços 100% públicos,
gratuitos e de qualidade!
Coletânea Marxismo &
Questão Negra
Reagrupamento Revolucionário
Livreto - 2* ed. Primeiro semestre de 2015
Líbia e a Esquerda
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Livreto - Primeiro semestre de 2015
34
Guerra civil síria, Estado Islâmico e a batalha por Kobane
Defender a Síria contra o imperialismo! Por um polo
proletário independente!
Por Rodolfo Kaleb, junho-julho de 2015. Atualizado e publicado em janeiro de 2016.
Este artigo foi originalmente escrito entre junho e julho de 2015. Devido a dificuldades internas, ele não
pôde ser publicado na época e acabou se desatualizando parcialmente devido à rapidez dos acontecimentos
na guerra civil siria. Não obstante, ele ainda responde a uma série de questões políticas que permanecem
centrais nesse complexo conflito e também lida com as posições problemáticas de certas organizações que
se reivindicam trotskistas. Por conta disso, decidimos publicá-lo acrescentando alguns comentários entre
colchetes.
Durante os últimos anos, a população da Síria estava
espremida entre uma ditadura de décadas, por um lado,
e um conjunto de forças burguesas que queriam formar
um novo regime nacional, por outro. Mais recentemente
ela também tem se visto diante do avanço territorial dos
fundamentalistas do Estado Islâmico e de ataques militares
efetuados no país pelos Estados Unidos e outras potências
imperialistas. Dedicamos esse texto a aprofundar algumas
questões já abordadas há algum tempo, em nosso artigo
de setembro 2012 (O Conflito Sírio e as Tarefas dos
Revolucionários ) e a atualizar certos aspectos, levando em
conta esses novos acontecimentos.
Mais uma vez, frisamos aquilo que a maior parte
da esquerda, inclusive muitos grupos que se reivindicam
trotskistas, tem deixado de lado ao tratar da situação nesse
país: a necessidade de uma linha de independência de
classe diante das várias forças burguesas que no momento
disputam 0 poder na região. Os marxistas não caem no mito
de uma “revolução” supostamente incorporada e liderada
pelos exércitos “rebeldes” que combatem 0 governo
circunscritas aos interesses de frações da burguesia. Os
rumos da guerra civil, embora não decididos mesmo depois
de quase quatro anos, apontam a necessidade de formar um
pólo da classe trabalhadora, oposto tanto ao governo Assad
quanto às forças reacionárias que querem derrubá-lo para
sua própria vantagem. De forma semelhante, 0 mesmo
dilema da necessidade de independência de classe também
está centralmente colocado na atual situação política em
Kobane.
O caráter das principais forças em disputa na Síria
O regime Assad é um regime capitalista de partido
único de duas décadas, que governa uma nação pobre
confinada à ordem mundial do imperialismo. De todas as
violações aos direitos humanos que aconteceram desde 0
começo da guerra, a maioria veio das mãos do governo
sírio. Ele tem como aliado internacional a Rússia, com
quem tem acordos comerciais relevantes. Da parte da
classe trabalhadora, porém, tal regime ditatorial não
merece nenhum apoio político.
Já a Coalizão Nacional Síria Continua na p 26